(Foto: Mercedes)

Combustível: a grande mudança nos motores da F1 em 2022

Muito tem se falado sobre o desempenho dos motores das quatro fornecedoras da F1 neste começo de temporada de 2022. A avaliação geral é que parece que a divisão de forças mudou em relação aos últimos anos. Entre os motivos podem estar o desenvolvimento de cada marca antes do congelamento dos propulsores entre 2022 e 25, e principalmente a grande mudança no regulamento de combustível da categoria.

A partir de 2022, os motores da F1 são obrigatoriamente abastecidos com o combustível E10. A diferença para a versão anterior é que agora ele tem uma mistura com 90% combustível fóssil (gasolina) e 10% de biocombustível (etanol).

A alteração se deu pela busca da F1 por se tornar ambientalmente mais sustentável. O etanol é um combustível que gera até 86% menos emissões de gases do efeito estufa do que o combustível de origem fóssil (derivados do petróleo).

O E10 não é nenhuma novidade tecnológica se pensarmos em mercado e já é utilizado em diversos países em seus carros de rua, incluindo na Europa. O Brasil, até por ser um dos grandes produtores do mundo, utiliza 27% de etanol anidro em sua gasolina.

Mas para a F1 é sim uma mudança considerável. O antigo regulamento pedia um volume de até 5,75% de biocomponentes na gasolina (E5). Ou seja, a porcentagem praticamente dobrou. E isso tem uma influência considerável no desempenho dos motores. E as fabricantes precisaram se preparar para isso, ainda mais considerando que a partir da primeira corrida de 2022.

O que muda com o novo combustível

A mudança é enorme para as fabricantes de motores. Segundo Hywel Thomas, diretor da Mercedes da HPP (empresa responsável pela fabricação dos motores da marca na F1), “a mudança deste ano para o E10 é provavelmente a maior alteração de regulamento [de motores] que tivemos de 2014 [quando foram introduzidos os híbridos]. Então, foi um trabalho considerável garantir que realmente desenvolvêssemos esse combustível. Não podíamos subestimar o quão trabalhoso seria”.

É importante destacar que um campeonato de alto nível da F1, as exigências são muito altas. Por isso, ao contrário dos carros flex de rua, que podem ser abastecidos apenas com gasolina, etanol ou até uma mistura de ambos, cada mudança no que é utilizado no motor, desde combustível até lubrificantes e materiais de construção, tem um impacto grande no limite do que o conjunto pode alcançar.

O etanol tem poder calorífico menor do que a gasolina, que consegue assim uma maior eficiência energética. Por isso, inclusive, que a autonomia de um taque com gasolina é maior do que com etanol. Quando você adiciona mais etanol na mistura, você acaba então alterando como a combustão acontece dentro dos cilindros.

Também existe uma mudança substancial do comportamento do combustível no tanque e em todo caminho até a câmera de combustão por conta da reação diferente à temperatura. Por isso, uma mudança de desenho e projeto de parte do motor a combustão (ICE) foi necessária, além da tomada de novos parâmetros para cálculos de consumo e mapeamento.

A Ferrari tem parceria de combustível com a Shell nas últimas décadas da F1
A Ferrari tem parceria de combustível com a Shell nas últimas décadas da F1 (Foto: Ferrari)

“Com o novo combustível, que tem 10% de etanol, mudou muito a combustão”, explicou em janeiro Mattia Binotto, chefe da Ferrari e que trabalhou no departamento de motores da escudeira entre 2009 e 2015. “Apenas considerando o combustível diferente, seja qual for a fornecedora, estamos perdendo mais ou menos 20 cavalos [de potência], o que significa que a combustão mesmo mudou”, continuou.

Essa perda de potência no geral pode parecer um problema, mas, por outro lado, também foi encarada como oportunidade por muitos. A Ferrari, que tinha um claro déficit em relação às rivais Mercedes e Honda nos últimos dois anos, foi uma dessas. E trabalhou de forma bem próxima com sua parceria de combustíveis, Shell, para recuperar essa perda. As duas empresas passaram o último ano trabalhando em conjunto na adaptação e refinamento da fórmula do E10 e resposta do motor.

É importante destacar aqui que o regulamento exige que os compostos utilizados no combustível sejam os mesmos das regras europeias para carros de rua, liberando apenas alguma mudança nos porcentuais utilizados. E mesmo assim, existem diversas restrições de utilização mínima e máxima para várias das substâncias.

A Ferrari obviamente não foi a única que fez esse trabalho com sua parceira. A Red Bull se aproximou ainda mais da ExxonMobil, que inclusive deixou de ser apenas uma fornecedora e patrocinadora e passou a ter o status de parceira técnica do time. Isso mostra a importância que o combustível tem no resultado final do desempenho. Parte do ganho apresentado em 21 com os motores Honda já é creditado, inclusive, ao trabalho em conjunto das três empresas. Enquanto isso, a Mercedes trabalha com sua parceira já de longa data, Petronas. A questão de quem está fazendo o melhor trabalho agora pode ser mais do que nunca um diferencial no desempenho final dos motores.

O caso de equipes que compram motores

As equipes clientes não utilizam necessariamente a mesma fornecedora de combustível e de lubrificantes do que as que as equipes fabricantes de motores. Isso acontece porque muitas vezes esse fornecimento depende de um acordo comercial. O resultado disso pode resultar em diferença de desempenho do motor entre times de fábrica e as clientes, mesmo que a unidade de potência seja absolutamente igual.  

F1 apostará em novo combustível para ser mais verde
Mercedes e Petronas tralham juntas no desenvolvimento dos motores nos últimos 12 anos (Foto: Petronas)

Em alguns casos, as equipes até compram os produtos sem necessariamente fazerem um acordo comercial maior. Um exemplo disso é o grupo de times que usa motores Mercedes. A marca alemã tem a malaia Petronas como parceira comercial e técnica na F1. Suas clientes McLaren e a Aston Martin possuem acordos de patrocínio com Gulf e Aramco, ambas também do setor de petróleo e derivados e que são indicadas para os carros de rua das duas empresas, mas ainda utilizam por questões técnicas os produtos da Petronas.

Isso já foi diferente. No começo da década de 2010, quando a Mercedes iniciou sua parceria com a Petronas, a McLaren e a Force India, que também corriam com motores da empresa de Stuttgart, andavam com combustível da Mobil.

Futuro dos combustíveis na F1

Como já tratamos aqui em outro artigo no Projeto Motor, a F1 tem planos ambiciosos para a tecnologia empregada em seus combustíveis. Enquanto a eletrificação da categoria ainda não entra nos planos, a F1 pretende a partir do novo regulamento de 2026 implementar um novo combustível que reduza a zero a pegada de carbono dos carros.

O conceito empregado é que enquanto o mercado de elétricos continua crescendo no mundo, até o início da década de 2030 ainda existirão muitos carros a combustão nas ruas e nem todos os mercados do mundo terão condições de fazerem a troca de tecnologia totalmente. Sendo assim, a ideia é desenvolver um produto que seja ambientalmente sustentável e que ao mesmo tempo possa ser utilizado nos motores a combustão da atualidade, aproveitando também a rede de distribuição já existente.

Neste caminho até 2026, a ideia é aumentar a utilização de biocombustíveis na gasolina dos carros. E então, passar a adotar algo novo, como combustíveis sintéticos que já estão em desenvolvimento por diversas empresas.

Outros passos no mundo do automobilismo também estão sendo dados, como o experimento da Toyota em utilizar hidrogênio para abastecer um carro com motor a combustão, como também já mostramos aqui no Projeto Motor. Aí, na mudança seguinte de regulamento, que deve acontecer na metade dos anos 30, a F1 deve ter um novo leque de tecnologias para escolher o caminho de seu futuro.

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