Corolla Sport a hidrogênio da Toyota nas 24 Horas de Fuji de 2021
(Foto: Toyota)

Entenda o motor a hidrogênio que a Toyota usou nas 24 Horas de Fuji

Um momento que daqui a alguns anos podemos considerar como um marco aconteceu na última edição das 24 Horas de Fuji, na virada de 22 para 23 de maio. A Toyota estreou e completou a prova com um carro movido a hidrogênio, em um forma de tentar manter uma tecnologia do passado usando um combustível do futuro.

A discussão sobre o futuro do automobilismo esquentou muito na última década, ainda mais com o avanço na regulamentação de diversos países, que pretendem banir carros movidos a combustíveis fósseis de suas ruas. Desta forma, a eletrificação da frota com modelos que usem baterias e recargas através de tomadas ou postos específicos para este fim, se tornou, a princípio, a solução inicial apresentada.

O mercado de carros híbridos e 100% elétricos já ganhou tração em diversos locais (menos do Brasil, principalmente por motivos financeiros e falta de apoio). Dentro das pistas, a Fórmula E começou a trilhar este caminho, e na esteira de sua boa receptividade por parte das montadoras, interessadas em aliar seu nome ao tipo de tecnologia que deve dominar as vendas nos próximos anos, outros campeonatos começaram a surgir. O mais recente, a Extreme E, com SUVs que competem em diferentes biomas do planeta.

Só que este tipo de eletrificação não é o único caminho que está sendo estudado para o futuro da indústria automobilística. O motor a combustão ainda deve sobreviver mais alguns bons anos através da adoção de combustíveis sintéticos, como a F1 estuda para seu próximo modelo de propulsor, que deve entrar em ação em 2025. E entre os dois mundos, existe a solução dos veículos movidos a hidrogênio.  

A tecnologia não é exatamente uma novidade. Para se ter ideia, no Japão já existem dois modelos vendidos em escala comercial que usam célula de hidrogênio. O primeiro deles, o Toyota Mirai, já está no mercado há seis anos. A organização das 24 Horas de Le Mans está de olho no conceito há algum tempo e um protótipo que usa o sistema chegou a ser desenvolvido e apresentado em Spa-Francorchamps em 2018. No último mês de janeiro, a Red Bull e a fabricante de chassis Oreca anunciaram que irão construir um carro que utiliza célula de hidrogênio para competir na prova em 2024.

Só que este tipo de trem de força enfrenta um problema gigantesco: ainda é cara demais para ser comercialmente viável. Mesmo assim, algumas empresas acreditam em seu potencial para se tornar algo mais realista para daqui uma ou duas décadas. E a Toyota já mostrou seu interesse em incentivar e puxar o desenvolvimento. E colocar o seu equipamento em uma pista de corrida contra veículos convencionais é uma ótima forma de mostrar seu comprometimento.

E para se ter uma ideia da importância do momento, Akio Toyoda, neto do fundador da Toyota e atual presidente e diretor executivo da empresa, foi um dos pilotos do carro em Fuji, junto com o ex-F1 Kamui Kobayashi, entre outros representantes da marca de diversos campeonatos importantes. Claramente um evento enorme para a companhia.

Só que curiosamente, ao mesmo tempo que parece estar dando um imenso passo para o futuro, o motor a hidrogênio que foi levado a Fuji pela Toyota, na verdade, é uma forma de tentar aumentar a vida útil dos atuais carros a combustão e o tempo de transição dos modelos. Isso porque ele não utiliza o caminho de propulsor elétrico alimentado por uma célula de hidrogênio, mas sim, um motor a combustão tradicional adaptado para queimar hidrogênio no lugar de gasolina. Ficou confuso? Vamos explicar.

A tecnologia a hidrogênio empregada pela Toyota

Antes de mais nada, precisamos pontuar que quando falamos em motor a hidrogênio, existem variantes. Você já deve ter ouvido falar em um propulsor que usa célula de hidrogênio para criar eletricidade e abastecer o trem de força elétrico. Esse é um dos modelos pensados para o futuro.

De uma forma absurdamente simplista e resumida, esse tipo de carro é elétrico, porém, ao contrário da maioria dos modelos atuais que possuem baterias recarregáveis quando param (e aí precisamos olhar para como a energia dessas é gerada), ele usa uma reação química entre hidrogênio e o ar para criar sua própria energia. Ao final da autonomia, o condutor precisará repor o hidrogênio no tanque. No escapamento, o resultado dessa reação toda é… água! Por isso, esse sistema é considerado limpo.

Testes da Toyota com motor a hidrogênio para as 24 Horas de Fuji
Testes da Toyota com motor a hidrogênio para as 24 Horas de Fuji (Foto: Toyota)

Só que como já mencionamos, esse sistema é [muito] caro. Desde sua concepção da necessidade de hidrogênio, da complexibilidade de gerar uma reação química interna no sistema até o motor elétrico em si. Sem dúvida nenhuma é uma tecnologia interessante, mas que ainda está longe de ser comercialmente viável.

Temos então um segundo caminho, não necessariamente barato, porém, que estimula um meio do caminho para a transformação do automóvel e que também é bastante limpa. A tecnologia que a Toyota empregou em seu modelo de corrida que foi para a pista em Fuji é na verdade de combustão interna de hidrogênio. É o mesmo conceito do motor a gasolina ou etanol, mas em lugar desses combustíveis, ele queima hidrogênio. Ou seja, não é um carro elétrico como no primeiro exemplo.

A equipe de engenheiros da Toyota pegou um motor de 1,6 litro de três cilindros utilizado no Yaris GR e fez ajustes importantes no tanque, bomba de combustível e sistema de injeção para funcionar com hidrogênio no lugar de gasolina. A ideia inicial era um bicombustível de gasolina e hidrogênio, sendo que, diferente dos “Flex” que temos no Brasil de gasolina e etanol, a mistura teria obrigatoriamente ser de 50% de cada. A evolução rápida dos resultados, no entanto, fez os técnicos pularem para o 100% a hidrogênio.

A ideia geral é a do combustível sintético, sobre o qual você deve estar lendo bastante em diversos sites de automobilismo. Você mantém o atual motor a combustão, mas consegue chegar próximo à neutralidade da emissão de CO2. O resultado no escapamento também é água em estado líquido ou vapor. Além de dar mais um sopro de vida para os propulsores de queima, o equipamento pode dar mais tempo para indústria e consumidores se prepararem para a transição total para os elétricos, poluindo muito menos e apenas fazendo mudanças pontuais nos produtos que já existem hoje. Além disso, para o automobilismo, é um marketing limpo sem jogar fora o motor a combustão tão adorado por nostálgicos fãs.

“Nosso conceito para este projeto foi de criar um motor a hidrogênio usando o máximo da tecnologia de combustão interna possível”, explicou Naoaki Ito, líder do projeto, em comunicado da Toyota. “Acreditamos que ao conseguirmos isso, será possível a conversão de carros já existentes para hidrogênio, desenvolvendo uma arma poderosa para a neutralidade de carbono”, completou.

Os desafios técnicos

A conversão do motor, no entanto, não é algo simples. Um dos pontos iniciais da adaptação é que hidrogênio queima sete vez mais rápido que gasolina comum. E o motor precisa conseguir lidar com isso de forma estável e que ao mesmo tempo estabeleça uma boa eficiência de combustão. Por isso o trabalho árduo nos injetores de combustível.

O armazenamento do combustível no carro também não pode ser igual, já que o hidrogênio utilizado é gasoso. O Corolla Sport recebeu quatro pequenos tanques de hidrogênio que somavam 180 litros. Por segurança, caixas feitas com fibra de carbono precisaram ser construídas em volta dos tanques, o que causou inclusive uma redução da visão do piloto da parte traseira.

O hidrogênio para completar a prova ficou armazenado em uma área separada do paddock em dois caminhões imensos, onde o Corolla era levado para ser reabastecido. Foram necessários 35 pit stops durante a prova que duraram, em média, cerca de sete minutos cada. A autonomia era de 10 voltas.

Procedimento de reabastecimento do Corolla Sport a hidrogênio da Toyota (Foto: Toyota)

Em termos de velocidade, o Corolla Sport a hidrogênio virou sua volta mais rápida em 2min04s059, o que foi pouca coisa mais rápido que o melhor tempo do pior modelo da classe ST-5 da prova (carros de produção modificados com motor de 1,5 litro ou menos).

O Corolla equipado com o motor a hidrogênio completou 358 voltas, menos da metade das 763 do vencedor da corrida, um Nissan GT-R NISMO GT3. A comparação, é preciso sublinhar, não deve ser feita e seria absurda mesmo que o carro da Toyota utilizasse um motor convencional pela diferença de preparação do Corolla Sport para um da classe GT3. Mas fica apenas como informação extra para termos ideia do que o carro fez na corrida.

Das 24 horas, o carro andou na pista mesmo durante 11 horas e 54 minutos. Das outras 12 horas e 6 minutos de prova, oito foram gastas no box em consertos (sofreu um problema elétrico que nada tinha a ver com o sistema de propulsão) e checagens de segurança, e outras quatro em reabastecimento de hidrogênio.

“E você chama isso de sucesso?”, pode perguntar o leitor. Precisamos colocar aqui o contexto. A Toyota em nenhum momento desenvolveu esse carro para ser competitivo. A Toyota nunca escondeu que o objetivo dessa primeira participação era de validação da tecnologia. A ideia foi fazer um primeiro experimento e marcar presença em termos de publicidade.

A tecnologia está apenas começando a ser desenvolvida. Por isso, mais do que qualquer coisa, receber a bandeirada sem um grande problema foi essencial para que todos os envolvidos da marca se sentissem realizados.

Agora, a Toyota pretende seguir no desenvolvimento para melhorar autonomia e eficiência energética, para só depois pensar em velocidade. É um trabalho de anos ainda e que depende muito da recepção de mercado (dentro e fora da pista). Ficamos no aguardo dos próximos capítulos.

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