F1 apostará em novo combustível para ser mais verde
(Foto: Petronas)

Entenda o plano da F1 para prorrogar a vida do motor a combustão

A F1 divulgou recentemente que está em conversas com suas principais fornecedoras de combustível e fabricantes de motores para desenvolver a partir de 2025 um combustível 100% sustentável. Ou seja, que ainda seja utilizado em um motor a combustão, mas que não seja um agente emissor de gases nocivos ao meio ambiente. Desta forma, a categoria daria um passo importante para seu plano de zerar sua pegada de carbono até 2030, sem ter que se tornar um campeonato de carros elétricos.

O Projeto Motor já explicou há um ano que a F1 estava estudando suas alternativas para permanecer relevante e atraente para as grandes montadoras, mesmo não se tornando uma competição elétrica até, pelo menos, a segunda metade da década de 30.

Mais do que o motor em si, o ponto chave desse plano é o combustível. A ideia é oferecer um caminho de transição para que veículos que utilizem motores a combustão interna ainda existiram nos próximos anos, masdiminuindo drasticamente suas emissões. Ou, na pior das hipóteses, neutralizando-as. E isso é possível? Bem, em parte.

Não deve demorar para a F1 anunciar seu novo formato de motor. O atual V6 híbrido foi um passo enorme para a categoria em 2014 na questão de tecnologia. Imenso. Talvez, até demais. A atual unidade de potência é de um refinamento de engenharia incrível e impressionante, mas a verdade é que ela não atingiu seus principais objetivos, como Sebastian Vettel apontou em tom de crítica em uma entrevista recente ao Motorsport Italia.

O atual motor da F1

Antes de entender para onde a F1 vai, é importante entender de onde ela está vindo e por que certas opções não deram certo e algumas decisões estão sendo tomadas sobre isso.

Muita gente, principalmente os que pouco acompanham, não sabe que a F1 usa um motor híbrido desde 2009, quando a primeira versão do Kers foi introduzida na categoria, de forma opcional para as equipes. A divulgação do campeonato sempre pecou nesta questão e se perdeu de vez quando as primeiras competições de veículos elétricos, puxadas pela Fórmula E, surgiram. Pressionadas, FIA e F1 apostaram em um revolução. Um motor turbo de seis cilindros, obrigatoriamente com dois sistemas de recuperação de energia. E vale aqui entender como cada um funciona.

O MGU-K recupera a energia cinética das freadas. O equipamento é conectado diretamente ao virabrequim, que é o eixo que gira no motor com o movimento dos pistões. O virabrequim leva esse movimento mecânico para a transmissão, que faz girar os eixos das rodas, em uma explicação aqui bastante simplificada e pulando alguns capítulos.

O que no interessa neste momento é a recuperação de energia. O sistema possui imãs que giram junto com o movimento das rodas e formam um campo magnético giratório, com alguns fios passando por dentro. Quando o carro está desacelerando ou freando, as rodas ainda estão girando, mas sem utilizarem a energia do motor. Pelo contrário: a força aqui é feita para ir na direção contrária à que rodas estão girando. Isso gera energia cinética, que normalmente era dissipada em forma de calor através da fricção.

Através da inversão da rotação dos imãs, o MGU-K utiliza essa força cinética para criar energia, capturada pelos fios que passam pelo campo magnético. Essa energia é enviada para a bateria de amarzenamento e é utilizada depois na aceleração, fazendo os imãs girarem no mesmo sentido das rodas, acelerando diretamente o virabrequim.

Motores Mercedes da era híbrida na F1
Motores Mercedes da era híbrida na F1 (Foto: Daimler)

O segundo sistema de recuperação de energia é o MGU-H. Para entender seu funcionamento, é preciso saber como é o turbo. Quando o piloto acelera, o motor queima mais combustível e isso faz com que mais gases saiam pelo escapamento. Parte desses gases é direcionada para o turbo, onde eles giram uma turbina, que também ativa um compressor que resfria esses gases e os injetam no motor. Desta forma, o turbo aumenta a força da unidade.

Quando o carro desacelera, menos gases saem do escape, e assim, a turbina roda mais devagar, enviando menos potência extra para o motor. O problema é que quando o piloto chama o propulsor do acelerador de novo, até a turbina ganhar velocidade, demora alguns segundos. Esse tempo é chamado de “turbo lag”.

O MGU-H fica localizado entre a turbina e o compressor. Quando o turbo está rodando, ele transforma a energia cinética da passagem dos gases em elétrica. Essa energia é guardada na bateria. Quando o piloto toca no acelerador, ela vai direto para compressor, que gira de forma imediata, o que diminui drasticamente o tempo do turbo lag.

Isso tudo acontece de forma paralela ao funcionamento do motor a combustão interna convencional e interfere diretamente tanto na produção de potência e estratégia e mapeamento de motor, como também no equilíbrio e resposta do carro nas freadas, como já explicamos aqui no Projeto Motor nessas duas matérias linkadas.

Como recupera energia diretamente do movimento do carro, o MGU-K é um sistema que já vem sendo bastante utilizado pela indústria automobilística, inclusive em modelos elétricos, que ganham com ele uma maior autonomia. Por outro lado, o MGU-H não é visto com o mesmo entusiasmo, pois ele só faz sentido em um veículo a combustão, pois precisa dos gases do escape.

Por isso, existe tanta discussão em torno de sua manutenção ou não na F1. Por um lado, as montadoras que já estão na categoria acreditavam que já gastaram muito dinheiro no desenvolvimento do sistema e não gostariam de apenas jogá-lo no lixo. Por outro, marcas que especulam uma possível entrada, dizem que não faz sentido investirem agora em uma tecnologia que já tem data de validade.

Essa divisão parece ter sido recentemente superada e a F1 deve mesmo abrir mão do MGU-H, aumentando, por outro lado, a capacidade do MGU-K, que deve passar a produzir ainda mais potência.

Combustível passa a ser a chave do futuro

Mesmo com um MGU-K mais poderoso, a unidade de potência da F1 ainda terá em seu coração, pelo menos nos próximos 10 ou 15 anos, um motor a combustão interna. A próxima geração de motores deve entrar em vigor em 2025, talvez em 26.

Como a Fórmula E tem um contrato de exclusividade com a FIA para ser a única categoria de carros do estilo “fórmula” que usam motores 100% elétricos até pelo menos 2039, a F1 começou a estudar alternativas. Ela busca agradar seus fãs mais tradicionais (que ainda gostam do barulho dos propulsores a combustão), se manter no radar de investimento das montadas e sair do hall de empresas “inimigas do meio ambiente”.

Então, que tal transformar um motor a combustão em algo que não polua? Em 2022, a categoria, ainda com seu atual motor, vai adotar o combustível E10, que nada mais é que uma mistura com 90% de gasolina e 10% de etanol. A ação parece ser algo mais voltado ao marketing do que uma preocupação com a poluição em si, já que este tipo de combustível, como apontado pelo Vettel em sua crítica, já existe nos postos da Europa. A mistura é até pequena se compararmos, por exemplo, com o Brasil, que tem até 27,5% de etanol em sua gasolina. Ou seja, não existe nada de inovador nisso.

A principal iniciativa, no entanto, está mesmo voltada para quando o novo motor chegar. Segundo o comunicado da F1, a categoria irá utilizar um tipo de combustível que utilizará captação de dióxido de carbono da atmosfera, lixo e resíduos de biomassa que não podem ser utilizados para alimentação.

O resultado da queima de todas essas substâncias no escapamento ainda será dióxido de carbono, porém, a ideia é que você está apenas devolvendo para a atmosfera o CO2 que já existia nela antes, e não produzindo mais. Nos cálculos da F1, a diminuição de emissão de gases derivados de queima de combustíveis fósseis pode chegar a 65%, o que, convenhamos, ainda é pouco.

Só que novidades ainda devem surgir nos próximos anos enquanto a fórmula é refinada. Não é segredo para ninguém que muitas empresas têm grande interesse no desenvolvimento de combustíveis sintéticos. Alemãs Siemens e Bosch e a francesa Total são algumas que estão puxando boa parte do desenvolvimento, em parceria com montadoras como Porsche e Audi, ambas do grupo Volkswagen. A Porsche, inclusive, já indicou que pretende estudar uma participação na F1 caso combustíveis sustentáveis sejam realmente utilizados.

O combustível sintético, ou e-fuel, utiliza hidrogênio retirado da água em um processo de eletrólise. Em uma segunda reação, ele é misturado com o CO2 captado na atmosfera para se produzir primeiro um gás sintético, que em um segundo momento se torna um líquido, chamado de Blue Crude, com aparência próxima à gasolina. Para todo o procedimento fazer sentido, a energia utilizada em cada um dos estágios deve ser renovável, como eólica ou solar, para manter equação neutra. Assim como os feitos de biomassa descartada na agricultura, esse tipo de combustível pode ir para o tanque de carros que já estão nas ruas hoje, com apenas alguns ajustes para maior eficiência da queima.

A inglesa Prodrive, conhecida por suas participações no Mundial de Rali (WRC), anunciou nesta semana (em 13/10) que irá competir no próximo Rali Dakar, em janeiro de 2022, com um carro que utiliza este tipo de matéria, que mistura um biocombustível feito com resíduos de biomassa que seriam descartados na agricultura com um sintético que utiliza a tecnologia capturando carbono da atmosfera.

Segundo a empresa, o veículo que será utilizado na competição é o mesmo que andava com gasolina, e o novo combustível pode ser utilizado em qualquer carro a combustão do mercado hoje, reduzindo as emissões em até 80% em relação ao motores que queimam derivados do petróleo.

Outras opções também são estudadas. Como já mostramos aqui no Projeto Motor, a Toyota já está competindo em provas de endurance no Japão com um modelo a combustão que utiliza hidrogênio líquido como combustível.

Por que ainda investir em motores a combustão?

A F1 divulgou um cálculo que em 2030, apenas 8% da frota mundial de veículos (que deverá estar em torno de 1,8 bilhão de unidades) será de carros elétricos. Diante do alto investimento das montadoras e as novas regulamentações em diversos países que pretendem proibir na próxima década os motores a combustão, é difícil saber se esse será mesmo o cenário.

Mas analisando alguns números, mesmo batendo recordes e mais recordes, o mercado americano comprou no primeiro semestre de 2021 cerca de 310 mil veículos elétricos em um universo de 8 milhões de vendas. Se expandirmos o olhar, por conta de limitações técnicas e de investimento não só para importação, mas também para a construção de novas redes de distribuição e pontos de recarga, fora dos Estados Unidos, Europa, China e Japão, as vendas de veículos elétricos ainda deve demorar para decolar em diversos países. Além disso, alguns tipos de veículos pesados e que precisam de autonomia, como aviões, navios de grande porte, tratores e outros do tipo, ainda devem ser reféns do motor a combustão por algum tempo.

Sendo assim, algo precisa ser feito para os carros com os motores a combustão estão sendo vendidos hoje e que ainda estarão nas ruas por algum tempo se adequem à necessidade de corte brutal de emissões de gases na atmosfera. E transformá-los em carros menos poluentes, e até próximos da neutralidade, apenas mudando a substância líquida que entra no tanque, pode ser uma mudança de paradigma importante para o mercado. Ressaltando que o processo de eletrificação deve continuar seguindo em frente e cada vez mais rápido, porém, a questão colocada aqui é se o mundo pode esperar para que este tipo de veículo se torne dominante e acessível para todos.

E a F1, com interesse em adiar a escolha pelo tipo de tecnologia elétrica (bateria de lítio recarregável, célula de hidrogênio, outra?) que deve aderir na segunda metade dos anos 30, tem total interesse em capitanear o desenvolvimento e se tornar uma divulgadora deste tipo de combustível.

As críticas, como as bem embasadas de Vettel nos últimos dias, só virão no caso de a fórmula adotada não tiver uma clara relevância para a diminuição de gases nocivos ao meio ambiente e contribuição com a sociedade como forma de desenvolvimento de uma tecnologia que ajude a indústria. Uma simples limpeza marketeira (os chamados “washing”), que inclusive a F1 já se presta em questões sociais e raciais, e como pode até ser vista a introdução do E10 em 2022, pode significar em algum tempo, o fim da linha para a categoria.

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