Coisa de Família: clãs que fizeram história no automobilismo – Parte 1
O esporte a motor sempre foi algo muito ligado ao gosto por carros carregado no sangue da família ou de pessoas próximas. Não que seja uma regra, longe disso, existem diversos casos de pilotos que desafiaram seus pais para seguirem carreira. Mas no caso dos que já tinham parentes envolvidos com o automobilismo, é difícil que mais ninguém daquele clã também não entre para o clube.
Além da influência natural, existem outros fatores que contribuem para que árvores genealógicas se formassem na modalidade. Dinheiro e oportunidade são algumas. Normalmente, quem teve um pai ou tio com investimento necessário para entrar na “brincadeira” tem condição parecida. E, em muitos casos, um bom sobrenome abre tantas portas quanto o talento. Patrocinadores e as amizades em equipes e com empresários sempre aparecem mais fácil.
Isso não quer dizer que não existam grandes pilotos que seguiram a linhagem anterior, com um talento igual ou superior. Em 2016 mesmo a F1 coroou um novo campeão que repetiu o feito do pai. Em outras categorias, já vimos coisas parecidas.
Resolvemos então lembrar algumas famílias de sucesso no automobilismo e histórias (algumas felizes, outras trágicas) que envolvem parentes no automobilismo que valem ser contadas. São tantas que resolvemos dividir o texto em duas partes. Segue a primeira (seguimos ordem alfabética para não parecer uma lista com posições, afinal, é tudo família!):
ANDRETTI
Uma das famílias mais importantes da história do automobilismo americano e mundial. São pelo menos cinco pilotos de alto desempenho no clã – além de outros três que não conseguiram seguir carreira – e muitos títulos e vitórias em diversas categorias, incluindo F1, Indy e Nascar.
Tudo começou com os irmãos gêmeos Mario e Aldo. Nascidos na Itália, onde eram fãs de Alberto Ascari, seguiram com a família para os EUA após a II Guerra, onde se estabeleceram na cidade de Nazareth. Lá, passaram a ter um contato mais íntimo com o automobilismo no famoso oval de 1 milha local. A estreia aconteceu com um Hudson Commodore que os dois reconstruíram. Uma moeda decidiu que Aldo seria o responsável pela primeira corrida.
Ambos frequentaram provas da USAC na década de 60. Aldo se aposentou após um sério acidente em 69 em que sofreu 18 fraturas nos ossos da face, mas nunca deixou de acompanhar as corridas.
Já Mario se tornou um piloto extremamente bem sucedido, tetracampeão da USAC/Indy, detentor do título da F1 de 1978, Indy 500 de 69 e vencedor de diversas provas do endurance como Sebring e Daytona.
Ambos também tiveram filhos pilotos. O mais famoso certamente é Michael Andretti, campeão da Indy em 91 e que teve uma passagem fracassada pela F1 em 93, mas que hoje é dono de uma das melhores equipes da categoria americana de monopostos, além de também estar representada na Fórmula E. Seu irmão, Jeff, não teve tanto sucesso, apesar de mesmo assim ter feito uma carreira sólida. Ele passou pela Indy, onde chegou a ser o novato do ano na Indy 500 de 1991, e outras categorias menores sem triunfos importantes.
Ainda no ramo de Mario, existe um representante da terceira geração de corredores da família há alguns anos. Marco é filho de Michael e compete regularmente na Indy, pela equipe do pai, e tem duas vitórias no currículo. Também já teve experiências em outras séries, como A1GP, F-E e de endurance, e chegou a fazer testes pela Honda na F1 em 2007.
Do lado de Aldo, os Andretti possuem mais três pilotos. John é o principal representante. Na Indy foram 83 provas, com uma vitória, enquanto na Nascar, ele largou 373 vezes na categoria principal e terminou em primeiro em três oportunidades. Ele também tem um triunfo nas 24 Horas de Daytona. Por outro lado, seu irmão Adam até tentou uma carreira no automobilismo, mas teve passagens sem destaque por Indy Lights e categorias regionais da Nascar.
A família ainda viu Jarett, filho de John, tentar a sorte nas pistas, mas sem grande destaque. Aos 24 anos, ele já passou por provas de endurance e hoje corre na USAC.
Os Andretti ainda carregam uma pequena maldição na família. No triunfo de Mario nas 500 Milhas de Indianápolis, ele recebeu um beijo no rosto do dono de sua equipe, Andy Granatelli, na celebração na linha de chegada. Nunca mais um membro da família conseguiu triunfar na prova. Quebras mecânicas e outros azares perseguiram os pilotos, especialmente Michael. Em 2006, Marco passou perto de quebrar a sequência negativa em sua primeira participação na prova, mas tomou uma ultrapassagem na última volta de Sam Hornish Jr. Muitos nos EUA dizem que aquele beijo foi responsável pela praga.
BRABHAM
Brabham é mais uma dessas famílias que parece ter velocidade como parte do DNA de seus integrantes. Claro que o enorme sucesso em sua história também incentiva as novas gerações, não só dentro como fora da pista.
Jack é um dos maiores nomes da F1. O australiano não só é tricampeão mundial, como também fundou uma equipe que também se tornaria muito bem sucedida, e é o único piloto, até hoje, que venceu o campeonato com um carro próprio.
Esta história acabou inspirando seus três filhos. O primeiro a se arriscar nas pistas foi Geoff. Se nunca chegou à F1, ele teve uma longa carreira na Indy, com 87 largadas entre 1981 e 94, mas nenhuma vitória. Seu ponto de destaque na carreira foi o triunfo nas 24 Horas de Le Mans de 93, pela equipe oficial da Peugeot.
Na década de 80, foi a vez de Gary. Vice-campeão da F3 Inglesa de 88, ele chegou à F1 em 90 para correr pela Life, uma das piores equipes da história da categoria. Em duas tentativas, sequer passou da pré-qualificação. Fez ainda duas provas na Indy entre 93 e 94, mas sem resultados consistentes.
O mais novo do trio, David, foi o que conseguiu se sobressair na geração. Campeão da F3 Inglesa de 89, ano em que também venceu o tradicional GP de Macau da categoria, ele chegou à F1 pela Brabham (que apesar do nome não tinha mais ligação com a família) em 90. Passou a temporada sofrendo com um carro muito ruim e sem resultados consistentes.
Goodwood #FOS has a special place in our hearts. To make up for the #Fever we’re missing, we’re sharing some special memories, starting with three family generations and 60 years of Brabham-related cars.
— Brabham (@BrabhamOfficial) July 11, 2020
FOS live stream https://t.co/CB9waUbVx4#BrabhamHeritage?Jeff Bloxham pic.twitter.com/HQztsVYkGl
Depois de uma passagem por campeonatos de esporte-protótipos e GTs, incluindo Le Mans, ele voltou à F1 em 94 pela Simtek. Novamente teve uma temporada difícil e sem destaque. A partir deste momento, deixou provas de fórmula para trás, vencendo o Super GT japonês em 96 e se tornando um especialista em endurance.
David passou a participar regularmente de Le Mans, onde correu por marcas como Aston Martin e Peugeot, e campeonatos de endurance nos EUA, conquistando o bicampeonato da Le Mans Series Americana (ALMS). Hoje, trabalha no projeto de reviver a equipe do pai, pelo menos em categorias de protótipos.
A terceira geração dos Brabham também já está na pista. Filho de Geoff, Matthew começou na Austrália e partiu para uma carreira nos EUA, onde já conquistou os títulos da USF-2000 e da Pro Mazda. Passou pela equipe Andretti na F-E, Indy Lights e em 2016 participou de duas provas da Indy pela Murray, incluindo as 500 Milhas de Indianápolis.
Sam é filho de David, mas, apesar do apoio da família, não conseguiu emplacar no automobilismo. Entre 2013 e 14, após passagem pelo kart, participou de algumas categorias nacionais inglesas, mas sem destaque e, também aos 22, está parado no momento.
FITTIPALDI
É quase impossível falar em automobilismo brasileiro sem passar pelos Fittipaldi. Tudo começou com Wilson Fittipaldi, o Barão, que apesar de nunca ter sido um grande piloto, se destacou como radialista de corridas de carros desde os anos 30, na Rádio Excelsior. Depois, pela Jovem Pan, narrou o título mundial do filho, Emerson. Ele chegou a fazer uma transmissão internacional do GP de Bari de 1949, antes mesmo de existir o campeonato da F1, seguindo a empolgação da Panamericana com as vitórias de Chico Landi na Europa.
O Barão também foi um importante promotor de corridas no Brasil e um dos fundadores da Confederação Brasileira de Automobilismo, entre vários outros incentivadores do esporte a motor na época.
Na década de 50, viu seus dois filhos, Emerson e Wilson Jr, também passarem a se envolver intimamente com o automobilismo. Os dois, porém, logo de cara mostraram talento do lado de dentro da pista. Com diversas vitórias nacionais, ambos chegaram à F1. O mais novo, Emerson se tornou um dos grandes nomes da história, ao conquistar 14 vitórias e dois títulos. Depois, ainda foi aos EUA para vencer as 500 Milhas de Indianápolis e o título da Indy.
Juntos, eles fundaram a Copersucar, primeira construtora brasileira na F1, na segunda metade dos anos 70. O time tem em seu histórico 103 largadas e três pódios entre 1975 e 81.
A terceira geração da família apareceu com Christian, filho de Wilsinho. Campeão da F-3000 de 1991, ele participou de 40 GPs na F1, mas se encontrou mesmo nos EUA, onde venceu duas corridas e subiu ao pódio em 20 oportunidades na Indy, em uma carreia de mais de sete anos na categoria. O paulistano segue na ativa aos 45 anos, e tem duas vitórias nas 24 Horas de Daytona e o título da IMSA, principal categoria americana de endurance, de 2015.
Só que a família não parou por aí. Os netos de Emerson já estão atacando as pistas também. Aos 20 anos, depois de ter o primeiro contato com o automobilismo nos EUA e com carros de Nascar em provas regionais, Pietro partiu para uma carreira em monopostos na Europa, onde já venceu o campeonato inglês de F-Renault e compete hoje na F-V8 3.5. Seu irmão, Enzo, de 15, faz carreira no kart e em 2016 estreou em carros em um campeonato de Ginetta.
E a história não para por aí. Emmo Fittipaldi, filho mais novo de Emerson, hoje com oito anos, também já compete no kart sob olhar atento do pai.
HILL
O primeiro caso da história de filho de campeão da F1 que também conquistou o título. Muito da história da relação e carreira de Damon com seu pai Graham Hill está contada em dois textos especiais publicados aqui no Projeto Motor, que seguem a autobiografia do campeão de 1996.
De qualquer maneira, não é preciso que esta dupla merece destaque entre as famílias de sucesso. Graham Hill foi um bicampeão que conseguiu se destacar em uma época muito rica de talentos na F1. Curiosamente, não passou no exame de carteira de motorista até os 24. Seu interesse inicial era em motos, mas depois de uma experiência em um carro de F3 em Brands Hatch em 54, passou a focar na carreira nas quatro rodas. Quatro anos depois, era piloto da Lotus na F1 e nas 24 Horas de Le Mans.
Seu filho também conquistou o campeonato, empurrado por um grande carro e em uma temporada sem muitos adversários, mas soube também mostrar seu valor. Apesar do sobrenome, teve uma carreira difícil e nada ortodoxa. Aos 15 anos, ele perdeu o pai em um acidente de avião. Processos judiciais, pelo fato de Graham ser considerado responsável, além de outras perdas, fizeram com que a família perdesse quase toda a fortuna que tinha até então.
Damon teve que trabalhar ainda muito jovem como entregador com sua moto para conseguir completar os estudos. Sua carreira no automobilismo começou para valer apenas na década de 80, quando tinha mais de 20 anos. Ele chegou à F1 apenas aos 31, e conseguiu a grande chance na Williams, quando foi companheiro de Prost em 93 e depois de Senna em 94. Herdou o posto de número um da equipe com a morte do brasileiro e enfrentou batalhas épicas com Michael Schumacher nas temporadas seguintes até se sagrar campeão em 96.
Algumas de suas melhores atuações, porém, aconteceram depois disso, como o sempre muito lembrado segundo lugar no GP da Hungria de 97, de Arrows, em que perdeu a vitória por um problema mecânico na volta final, e o triunfo pela Jordan no GP da Bélgica de 98.
O filho de Damon, Josh, também tentou carreira, passando por categorias nacionais na Inglaterra e correndo na F3 Europeia em 2013, porém, sem destaque.
PETTY
Até mais que na Europa, não faltam exemplos de famílias inteiras ligadas ao automobilismo nos EUA e principalmente na Nascar. Poderíamos citar diversos exemplos aqui. Um deles é o caso dos Petty.
O clã acompanha praticamente toda a história da Nascar. Lee Petty foi o precursor ao participar da categoria já em 1949. Tricampeão da categoria e com 54 vitórias no currículo, colocou seu sobrenome entre os mais importantes dos anos 50 no país.
Ele também fundou, junto com seus dois filhos, a equipe da família. De seus herdeiros, Maurice não teve tanto sucesso dentro das pistas, com algumas participações sem destaque nos anos 60. Ele acabou se tornando, porém, peça importante no time como chefe dos mecânicos e responsável pelo desenvolvimento dos motores.
O responsável, porém, por imortalizar o nome Petty para sempre na história da Nascar foi Richard. Heptacampeão, ele está ao lado de Dale Earnhardt e Jimmie Johnson no topo da lista de vencedores da categoria.
Com uma carreira que durou de 1958 a 92, ele tem nada menos do que 1.185 largadas no certame principal da Nascar, 200 vitórias e 555 resultados entre os cinco primeiros. Uma verdadeira lenda do esporte.
Filho de Richard, Kyle também competiu na Sprint Cup entre 1979 e 2008 e, apesar de não chegar nem perto do sucesso do pai, seguiu com uma carreira consistente para os parâmetros da Nascar, com 829 corridas e oito vitórias. Ele também já teve a oportunidade de ver seu sucessor, Adam (tataraneto de Lee), correr na categoria, porém, sem muito sucesso.
Dois filhos de Maurice também tentaram carreira na Nascar: Ritchie, que chegou à categoria principal, e Mark, que não passou da Truck Series, ambos sem destaque.
Leia aqui a Parte 2 da série sobre famílias no automobilismo
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