Como a guerra Williams x Benetton rachou a Renault em 1995 – Parte 2

Na primeira parte de nosso artigo sobre como a guerra entre Williams e Benetton em 1995 provocou um racha na Renault, fornecedora comum de motores a ambas as equipes naquela temporada, explicamos como a escuderia chefiada por Flavio Briatore e liderada por Michael Schumacher na pista manobrou para assumir com a fabricante francesa um contrato originalmente pertencente à Ligier.

Agora, explicaremos como ter duas clientes que brigavam pelo título rachou a fornecedora ao meio, numa temporada repleta de mudanças nos âmbitos aerodinâmico e mecânico. Tanto as dimensões das asas quanto o deslocamento dos motores foram reduzidos, a fim de reduzir a pressão e a potência, e consequentemente a velocidade dos bólidos. Ao mesmo tempo, os cockpits passaram ganharam novos parâmetros de segurança.

As mudanças de regulamento da F1 para 1995

No caso dos propulsores, a FIA determinou uma redução de capacidade cúbica das câmaras de combustão de 3,5 para 3 litros. A medida, na prática, tornou praticamente inviável investir em qualquer motor aspirado que não fosse V10, uma arquitetura cuja elasticidade e flexibilidade respondia melhor a essa litragem do que os V8 ou V12.

Para chegar ao novo deslocamento limítrofe, a Renault reduziu o curso do pistão sem interferir no diâmetro dos cilindros, diminuindo também a altura do cárter e o diâmetro dos discos de embreagem.

Apesar das modificações relativamente simples, a potência caiu de cerca de 800 cv atingidos no fim de 94 para 684 cv no início da nova temporada. Com três atualizações gerais promovidas ao longo de 95, o RS7, nome da usina, voltaria 735 cv no fim da campanha.

Os “patinhos feios” correm atrás do cisne na Renault

Do time de 30 engenheiros da Renault dedicados ao projeto na F1, metade seria designada a cada equipe. Para a Williams, uma parceira de longa data, ficariam os profissionais já conhecidos de Patrick Head e Adrian Newey, mais renomados.

Para a Benetton, foram destinados os antigos engenheiros de motor da Ligier, vistos como o segundo escalão da operação. Para estes, surgia uma oportunidade de ouro de mostrar serviço e superar seus colegas mais consagrados. “Éramos os patinhos feios. Mas os patinhos feios estavam armados para enfrentar nossos colegas!”, diz Christian Blum, um desses engenheiros.

Assim, enquanto em Grove o processo era de continuidade e evolução, em Enstone tudo surgia como grande novidade, permeada por uma enorme sensação de otimismo misturado com incógnita.

“Desde o início, percebemos o aumento de potência, e que ela vinha de forma muito mais equilibrada [do que com o Ford Cosworth V8]. O V10 era mais pesado, longo e complicado de integrar [ao chassi], mas também era melhor”, comparou Pat Symonds, à época chefe de P&D da esquadra.

Mesmo assim, o processo de adaptação foi complicado. Ross Brawn, o diretor técnico, chegou a passar quatro dias seguidos em Viry-Châtillon, a fábrica da Renault Sport na França, analisando o comportamento do motor RS7 em dinamômetro a fim de entender a melhor forma de casá-lo ao futuro modelo B195.

Claro que a Williams também teve seus percalços. Afinal, o regulamento mudara muito. Porém, como já trabalhava junto com os franceses havia seis anos, tudo fluiu de maneira mais calma. Por exemplo, o projeto do FW17 já trazia uma solução no próprio chassi para lidar com a pressão que a bomba hidráulica gerava sobre a correia.

O carro da Benetton não previa nada do tipo, pois antes carregava um motor bem mais leve e compacto. Os engenheiros quebraram a cabeça para resolver esse e outros imprevistos, a ponto de redesenharem o sistema de transmissão e a suspensão traseira do monoposto antes mesmo do lançamento.

Benetton de Schumacher em 1995 com motor Renault
Benetton de Schumacher em 1995 com motor Renault (Divulgação)

Mesmo assim, o B195 nasceu tão arisco que só Schumacher e talvez nenhum outro ser humano na Terra seria capaz pilotá-lo a ponto de lutar por um título, especialmente nas primeiras etapas do Mundial.

Tanto nos testes de pré-temporada quanto nos treinos livres do GP do Brasil, o primeiro daquele ano, a Benetton vinha tomando cerca de 1 segundo da Williams, cenário um tanto desolador. Ao mesmo tempo, os engenheiros da Renault estranhavam o modus operandi da equipe.

“[Após os treinos, os mecânicos] vieram nos perguntar onde estava o motor do dia seguinte”, relembra Christian Blum. “Ficamos sem entender, porque nunca trocávamos os motores de um dia para o outro. A Ford fazia isso [com a Benetton] sempre, porque suas válvulas eram muito frágeis. Quando vimos isso, só pensamos em como a Williams-Renault deveria ter dominado o campeonato de 1994 e não conseguiu”, aponta.

Conforme a rivalidade crescia e a batalha pelo campeonato se afunilava, o clima entre os engenheiros na sede da marca francesa foi ficando cada vez mais tenso. “Estávamos nos mesmos escritórios, mas lutávamos uns contra os outros”, conta Blum.

Bernard Dudot, o diretor técnico da Renault, estabeleceu algumas regras: os times partilhariam entre si tudo que fosse ligado à melhoria de confiabilidade do RS7. Além disso, todas as atualizações supramencionadas serviram às duas equipes de maneira igualitária.

O fornecimento também era isonômico: três motores para cada carro titular mais um para o reserva por fim de semana – aqui uma curiosidade: o tempo de troca de uma usina por outra era, em média, de 20 minutos. Hoje em dia, passa de uma hora, devido à complexidade do sistema híbrido.

Porém, na busca por detalhes que melhorassem o desempenho, era cada um por si. “Não dávamos nada de presente uns aos outros [na Renault]”, enfatiza Vincent Gaillardot, à época engenheiro de motores dedicado ao carro de Michael Schumacher. Ele conta, inclusive, como a Benetton buscou um caminho alternativo de desenvolvimento ao longo da estação.

“[O grande segredo era como] soprar os gases do escapamento para o difusor. Na Benetton, encontramos um truque e, obviamente, não contamos aos nossos amigos que trabalhavam na Williams”, disse.

Assim, o B195 ganhou um sistema de escape com quatro saídas, duas no canal central e duas sob o assoalho, além de um novo difusor disponível a partir do GP da França. Essas diferenças se refletiam até no ronco percebido nas câmeras on board. No Williams FW17, o RS7 soava mais liso e aberto. No Benetton B195, um pouco mais áspero e abafado.

Apesar do carro mais instável – característica que foi sendo amainada ao longo do ano –, a Benetton tinha um piloto e um time técnico muito mais preparados para as nuances estratégicas de uma F1 com reabastecimento e corridas que se desenvolviam quase sempre em ritmo de classificação.

Melhor temporada da Renault

Schumacher deu uma lavada em Damon Hill na luta pelo campeonato de 1995 e conquistou nove vitórias, igualando o recorde de Nigel Mansell em 1992. Somadas as duas obtidas na base da sorte por Johnny Herbert, foram 11 triunfos em 17 etapas, contra cinco da arquirrival (quatro de Hill e uma de David Coulthard).

E aí não só o ás alemão se tornou bicampeão como a Benetton obteve seu primeiro e único título de construtores, o único que a Williams não conquistou no período entre 1992 e 97. Não faltaram críticas aos pilotos e estrategistas da esquadra em Grove. Afinal, os patinhos feios de fato prevaleceram.

Para a Renault, o saldo dessa batalha fratricida foi, curiosamente, o melhor ano de sua história enquanto fornecedora de motores na F1, tendo vencido 16 de 17 corridas (exceto o clássico GP do Canadá, a única láurea na carreira de Jean Alesi).

Mais do que isso, posicionou suas duas equipes clientes nas duas primeiras colocações do campeonato, algo que não acontecia desde 1981 com Williams e Brabham, à época usuária dos propulsores Ford Cosworth, e que jamais voltaria a se repetir. Uma raríssima exceção, obtida sem querer, em tempos nos quais a F1 já não permite mais aventuras assim.

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