Indy e F1 com turbina similar à de avião: STP-Paxton e o Lotus 56

Os anos 60 e 70 foram décadas de muito experimentalismo no automobilismo em geral, seja na F1, Indy e categorias de endurance tanto na Europa como nos Estados Unidos. Diversos engenheiros testaram teorias malucas e alguns se destacaram. Uma dessas ideias foi a de carros de corrida impulsionados por uma turbina similar à de aviões e helicopteros.

O conceito surgiu com o projetista britânico Ken Wallis para correr nas 500 Milhas de Indianápolis. Com experiência de passagens pela Coventry Climax, Jaguar e Ferrari, Wallis foi para os Estados Unidos em 1963 para trabalhar na Douglas Aircraft, famosa fabricante de aviões na costa oeste. Foi durante essa época que ele desenvolveu a ideia do carro de Indy impulsionado por uma turbina.

Ele então procurou alguns dos mais famosos construtores americanos da época, Dan Gurney e Carroll Shelby, que não se empolgaram. Wallis então conseguiu apoio de Andy Granatelli, empresário proprietário da STP, fabricante de óleos e lubrificantes automotivos e tradicional patrocinadora no esporte a motor.

Com o financiamento para sua empreitada garantido, Willis começou a trabalhar em janeiro de 1966 no carro que seria batizado de STP-Paxton Turbocar.

Para dar espaço para a turbina, o projetista desenhou o chassi, construído em alumínio, de uma forma em que o piloto ficava sentado deslocado para a direita. Ao seu lado, foi instalada uma turbina fabricada pela empresa Pratt & Whitney, do Canadá. O modelo ST6, uma variação do equipamento utilizado em diversos aviões e helicópteros, produzia cerca de 550 cv a 6.200 RPM.

O funcionamento era relativamente simples. Os gases do motor a jato impulsionavam uma turbina. Essa passava a girar o eixo de transmissão. Para melhor aproveitamento da força, Willis optou por tracionar as quatro rodas do Turbocar.

O carro tinha que carregar o peso relativamente de 180 Kg acima do mínimo da Indy na época por conta da turbina e do combustível extra. Por outro lado, podia ter uma mecânica relativamente mais simples por não necessitar de embreagem e caixa de marchas.

O STP-Paxton Turbocar ficou pronto no começo de 1967 e o piloto Parnelli Jones, vencedor da Indy 500 de 1963, realizou um teste no circuito de Phoenix e ficou animado com o desempenho. Ele aceitou a proposta de U$ 100 mil mais metade da premiação para pilotar o carro nas 500 Milhas daquele ano.

 STP-Paxton Turbocar: piloto à direita ao lado da turbina
STP-Paxton Turbocar: piloto à direita ao lado da turbina (Foto: IMS)

E logo de cara, o modelo impressionou a todos. Após os treinos, Mario Andretti chegou a declarar que “se o Turbocar aguentar, o resto de nós vai competir pelo segundo lugar”. Organizadora do campeonato, a USAC resolveu semanas antes do evento reduzir a entrada de ar para carros movidos a turbina. O objetivo foi de manter a competividade com os carros que utilizavam modelos de motor a pistão convencionais.

Jones se classificou na sexta posição no grid, mas, na prova, assumiu a ponta logo nas primeiras voltas e sumiu na frente. A vitória já parecia garantida quando um rolamento da transmissão quebrou a três voltas do final e tirou o Turbocar da prova.

No ano seguinte, o modelo chegou a voltar a Indianápolis com o piloto Joe Leonard, mas após um acidente nos treinos, ele nunca mais competiu.

Chapman também aposta na ideia

Colin Chapman é sempre lembrado como um dos principais engenheiros da história do automobilismo, especialmente na F1. Mesmo quando não era o pioneiro em algum conceito, o inglês teve diversas vezes o mérito de apostar em ideias interessantes e desenvolvê-las ainda mais.

Após o sucesso do STP-Paxton Turbocar nas 500 Milhas de Indianápolis de 1967, ele resolveu trabalhar em algo parecido para a prova americana. E o seu trabalho ficou redobrado com a decisão da USAC, com medo dos carros turbina dominarem o grid, diminuir ainda mais a entrada de ar dos modelos, fazendo por consequência cair a potência.

Chapman visualizou que o conceito básico de Wallis de utilizar um monoposto impulsionado por uma turbina de avião e tração nas quatro rodas fazia sentido em Indianápolis. Porém, podia ser mais bem aproveitado em um chassi melhor.

Também com apoio da STP, do empresário Andy Granatelli, ele se debruçou para desenvolver o Lotus 56. A equipe reaproveitou a mesma turbina ST6 da Pratt & Whitney, no entanto, conseguiu encaixar melhor em um carro que tivesse a aerodinâmica mais eficiente. O piloto voltava a ficar centralizado no chassi, com a turbina atrás dele.

Para compensar a redução da potência, Chapman conseguiu reduzir o peso geral do chassi, desenvolveu um novo modelo de suspensão mais sofisticada e apostou na melhor aerodinâmica de seu modelo. Veja imagens do carro em ação abaixo e repare principalmente no som bastante característico da turbina:

Um mês antes das 500 Milhas, Chapman perdeu seu principal piloto, Jim Clark. Ele foi substituído então por Mike Spence. Só que uma nova tragédia impactou a Lotus, com o acidente de Spence a bordo do Lotus 56 durante os treinos da Indy 500 que teve como consequência a morte do inglês.

Outros três Lotus 56 ainda participariam da prova. Joe Leonard cravou a pole com o modelo, batendo o recorde do circuito de Indianápolis da época com uma média de 276 km/h. Na corrida, os outros dois representantes do time, Graham Hill e Art Pollard, abandonaram em um acidente e problema mecânico, respectivamente.

Apesar de não conseguir dominar com a mesma facilidade do STP-Paxton do ano anterior, Leonard também parecia seguir rumo à vitória com o Lotus 56. Só que o destino acabou sendo o mesmo. Uma falha na bomba de combustível o tirou da corrida nas voltas finais.

Dias após a edição de 68 de Indianápolis, a USAC, percebendo que mesmo com as restrições de potência, os carros turbina ainda eram muito fortes, resolveu banir em definitivo o conceito de suas corridas.

O carro turbina na F1

Chapman, no entanto, não desistiu do conceito. E resolveu levar o carro turbina para a F1. O engenheiro inglês fechou um acordo com a Pratt & Whitney, que fez algumas adaptações em sua turbina e assim ficar em conformidade com o regulamento da F1. O novo modelo conseguiria gerar cerca de 750 cv de potência, bem acima dos cerca de 500 cv dos Cosworth DFV da época.

Novamente, a aposta principal era no ganho de potência, o fato de ter menos peças mecânicas de movimento e a confiabilidade, já que as turbinas de aviões e helicópteros são feitas para durarem muitos anos, ao contrário dos motores de F1. Além, claro, da possível vantagem da tração nas quatro rodas.

Por outro lado, a turbina de avião consumia muito mais combustível que o motor convencional, o que exigiu que o modelo Lotus 56B tivesse um tanque com tamanho bem maior para poder carregar 280 litros de querosene, quantidade mínima para não exigir um reabastecimento. Isso resultou em um peso extra para o carro.

No caso da F1, que corre em circuitos mistos e com muitas freadas, ao contrário de Indianápolis, outra questão em torno do carro turbina ganhou mais destaque. A turbina não gerava freio motor, o que jogava toda a força da freada nos discos de freio. Assim, as peças precisaram ficar maiores e mais robustas. Além disso, Chapman precisou desenvolver tomadas de ar novas para refrigerar o sistema, já que fazendo mais esforço, os discos também esquentavam mais.

Os pilotos também precisavam se adaptar ao estilo de pilotagem sem freio-motor e mudanças de marchas. Na largada, eles aceleravam pouco mais de 50% do curso do acelerador para ganhar giro na turbina e colocavam o carro em movimento soltando o pedal do freio.

A forma como eles como precisavam lidar com o acelerador nas retomadas pós-curva também era bem diferente da usual por conta do lag (a demora da resposta ao comando do acelerador) da turbina e da forma como a potência era despejada para as rodas. Isso fazia muitas vezes com que o piloto ficasse quase que o tempo todo com o pé no acelerador, controlando a velocidade apenas no freio. Ou seja, na saída de curva, a turbina respondia mais devagar e na freada, sua maior potência era mais difícil de ser controlada.

Por conta dessas características, os pilotos precisavam dirigir com o pé esquerdo no freio e o direito só no acelerador, algo que era muito incomum na época. Como os carros de F1 ainda possuíam embreagem, a tocada era do acelerador e freio sendo acionados pelo pé direito. Era mais uma adaptação que os competidores precisariam fazer.

Chapman e o seu projetista Maurice Phillippe ainda fizeram novos refinamentos aerodinâmicos no 56B, principalmente no bico e na suspensão. Além disso, a posição da turbina ficou ainda mais centralizada na traseira, o que também permitiu um desenho melhor da região.

Turbina do Lotus 56B que correu na F1 em 1971
Turbina do Lotus 56B que correu na F1 em 1971

A estreia do carro aconteceu em um evento não válido pelo Mundial de F1, na Corrida dos Campeões de 1971, em Brands Hacth, nas mãos de Emerson Fittipaldi. Nos treinos com chuva, a tração nas quatro rodas fez a diferença e o brasileiro chegou a ser o mais rápido. Porém, na classificação e corrida, no seco, o peso e as dificuldades na adaptação fizeram o conjunto ficar no pelotão intermediário, largando em sétimo e abandonando após 34 voltas com um problema de suspensão.  

A segunda aparição foi no Troféu Internacional, outro evento não válido pelo campeonato, em Silverstone. Dessa vez, sempre com tempo seco. Na primeira bateria, Fittipaldi abandonou novamente com o Lotus turbina após apenas três voltas por conta de nova falha na suspensão. Na segunda prova, o modelo mostrou algum potencial ao terminar em terceiro.

Fittipaldi, no entanto, não escondia sua frustração com o experimento da Lotus, chegando a dizer em entrevistas para a imprensa inglesa que aquele era o pior carro que ele já tinha pilotado e que ele ficava assustado toda vez que entrava nele.

Chapman, de qualquer maneira, preferiu seguir em frente com os testes e inscreveu um modelo 56B turbina para o GP da Holanda, em Zandvoort, com o piloto Dave Walker ao volante. Na classificação, o australiano não se deu bem com o carro e ficou apenas em 22º. Mas a chuva veio para ajudar na corrida, voltando a destacar as vantagens da tração nas quatro rodas. Em apenas cinco voltas, ele pulou para décimo. Só que talvez a empolgação com o desempenho inicial no molhado fez mal e, na sexta volta, ele bateu o carro, privando a Lotus de entender até onde o carro poderia ir naquelas condições.

Reine Wisell usou o carro turbina no GP da Grã-Bretanha, em Silverstone. Ele largou em 19º e até recebeu a bandeira quadriculada, mas ficou fora da classificação oficial por ter tomado mais de 10 voltas do líder (13).

Com Fittipaldi fora da briga pelo título na reta final do campeonato, a Lotus resolveu colocar seu principal piloto no 56B em Monza, muito a contragosto do brasileiro. O resultado acabou sendo decepcionante, com o piloto sempre no pelotão intermediário: 18º na classificação e oitavo na corrida.

Sem a evolução esperada durante toda a temporada de 1971, a Lotus largou mão do conceito do carro turbina. Porém, seu refinamento aerodinâmico foi uma base importante para o próximo capítulo da equipe, o modelo 72, que seria o grande vencedor do campeonato seguinte e se tornaria um dos carros mais vitoriosos da história da F1. De qualquer forma, com um motor Cosworth DFV convencional, e nada mais de turbina.

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