Colton Herta espera decisão da FIA para definir futuro entre Indy e F1
(Foto: Chris Owens/IndyCar)

Por que Colton Herta depende de exceção da FIA por mudança para a F1

Nos últimos meses, muita discussão tem acontecido por conta da chance de Colton Herta, atualmente na Indy, poder correr na F1. A Red Bull já deixou claro que pretende contratar o americano para correr na AlphaTauri em 2023, porém, está esbarrando na falta da Superlicença do jovem piloto para poder trazê-lo para a F1.

Acontece que Herta não é elegível ao documento que libera pilotos para correrem na F1 pelas regras atuais da FIA. Por isso, a AlphaTauri está pedindo à entidade para analisar de forma individual o caso do americano, buscando utilizar algumas brechas no regulamento.

Tanto a requisição quanto uma certa comoção que se deu nas últimas semanas em torno do caso de Herta são pelo currículo recente dele. Com apenas 22 anos, ele soma sete vitórias em seus quatro anos na Indy, uma categoria reconhecidamente de topo do automobilismo.

Só que o problema de Herta é o funcionamento do processo para a Superlicença. A atual regra foi endurecida nos últimos anos por diversos motivos. O primeiro é evitar que pilotos com bom financiamento (seja por via de patrocínios, dinheiro da família ou apoio estatal) consigam uma vaga na F1 apenas comprando seu espaço, sem terem nenhum resultado em categorias de base.

Os casos mais recentes de pilotos considerados pagantes na F1 – como de Nicholas Latifi, Nikita Mazepin e Lance Stroll – continuaram acontecendo, porém, estes pilotos tiveram que conquistar resultados mínimos na F3 e F2 antes de poderem levar suas verbas para times da F1.

O outro motivo é evitar que pilotos sem uma experiência mínima na base cheguem à F1, seja também por compra de vaga ou pela simples empolgação com jovens promissores. Um dos casos que incentivou a FIA a agir sobre a questão foi o de Max Verstappen, que competiu apenas um ano em carros após o kart, terminando na terceira posição da F3 Europeia, e pulou direto para a F1 com apenas 16 anos.

E, enfim, também existe um desejo da FIA de proteger o seu próprio caminho que leva à F1. Mesmo que não seja uma regra passar pela F3 e F2, a forma como a entidade desenhou o regulamento da atual Superlicença dá mais chances aos competidores que competem nessas categorias do que os que seguem outras trajetórias, como Herta.

Como funciona a Superlicença da F1

Até pouco tempo atrás, os critérios para emissão da Superlicença eram bastante subjetivos e dificilmente o pedido era negado pela FIA. Basicamente, era feita uma análise do currículo do requisitante, mas sem critérios objetivos. Também existia a exigência de que o piloto completasse no mínimo 300 Km em testes com um carro de F1 contemporâneo, o que podia ser rapidamente providenciado pela equipe interessada na contratação.

Um caso famoso de queima de etapas aconteceu em 2001, quando Kimi Raikkonen recebeu a Superlicença (mesmo que provisória) aos 21 anos com apenas um ano de experiência em carros, na F-Renault 2.0 Britânica, pulando a F3 e a F3000 (que fazia o papel da atual F2).

Se o caso de Raikkonen foi de sucesso com ele se tornando campeão mundial seis anos depois, a FIA também teve que lidar com outros que não deram tão certo. Os dos mais lembrados é o de Yuji Ide. O japonês não realizou os 300 Km de testes com carros de F1, mas como tinha um currículo com sete temporadas no automobilismo, incluindo Super GT japonês, F3 Japonesa e Francesa, e até um vice-campeonato na Super Fórmula Japonesa, a FIA resolveu abrir a exceção.

Não poderia ter dado mais errado. Em 2006, ele estreou pela equipe Super Aguri e teve a Superlicença cassada após apenas quatro GPs por mostrar déficit técnico e ainda causar um grave acidente com Christijan Albers em Imola.

Depois do caso de Verstappen, citado acima, a FIA se viu obrigada a repensar o processo de Superlicença, o deixando mais objetivo, com critérios obrigatórios e menos interpretativos. Assim nasceu o regulamento atual implantado em 2016.

Os pré-requisitos básicos são ter no mínimo 18 anos, possuir uma carteira de habilitação válida em qualquer país e ter duas temporadas no automobilismo (sem contar os anos no kart). Mas o fator mais importante foi a adoção de um sistema de pontos para qualificar os resultados dos pilotos, o que acabou com a análise subjetiva de currículo.

A FIA fez uma extensa lista de categorias do mundo, da base ou não, definindo um peso traduzido em pontos para cada uma, levando em conta a posição final do piloto naquele campeonato. Por exemplo, o campeão da F2 leva 40 pontos, o vice da F3, 25, o quinto colocado da Indy, 8, e o terceiro do WEC, 12. Essa pontuação é revista a cada ano. Confira a tabela abaixo. Para conseguir a Superlicença, um piloto precisa somar 40 desses pontos nos últimos três anos.

Pontuação para a Superlicença da FIA em 2022

Os pontos conquistados antes desse período acabam vencendo. Então, por exemplo, se um piloto é vice-campeão da F3, ele conquista 25 pontos. Porém, se depois de quatro anos, ele não chega aos 40 ou nenhuma equipe da F1 pede a Superlicença em seu nome, ele perde aqueles 25 pontos e fica apenas com os que ele conquistou depois.

Por conta da pandemia, que paralisou e até inviabilizou alguns campeonatos, a FIA abriu a chance de considerar as três melhores temporadas em um período de quatro anos, desde que os anos de 2020 e 21 estejam dentro dos anos estejam desta conta.

Existe ainda uma Superlicença específica para a participação apenas em treinos livres, que exige apenas 25 pontos nesta classificação. Porém, o piloto não pode participar das corridas da F1.

Achou complicado? O Projeto Motor já fez um vídeo que explica os detalhes da Superlicença:

O caso Colton Herta

A questão de Herta é que apenas o seu currículo na Indy não garante o direito à Superlicença. Nas últimas quatro temporadas, ele terminou o campeonato em sétimo (em 2019), terceiro (2020), quinto (2021) e décimo (2022). Pela atual distribuição prevista do regulamento da Superlicença, ele soma então 32 pontos (quatro pontos pelo sétimo lugar, 20 pelo terceiro e oito pelo quinto). São oito a menos que o necessário.

Existem, não de hoje, algumas reclamações sobre a pontuação que a FIA concede à Indy em seu processo. A categoria é a segunda que mais distribui pontos, atrás da F2, e única junto também da F2 em que o campeão consegue os 40 pontos em apenas uma temporada. Porém, nas posições mais atrás, enquanto a categoria de base da F1 ainda confere outros 40 pontos para o vice e terceiro colocado, 30 para o quarto e 20 para o quinto, a Indy tem um decréscimo maior, caindo a partir do segundo lugar para 30, 20, 10 e oito pontos até o quinto, respectivamente.

A justificativa é a proteção da F2 e fazer com que os programas de pilotos das equipes da F1 mantenham seus investimentos na categoria ligada à FIA, e não estimule que eles saiam para a Indy e outros campeonatos para depois voltarem.

E, de qualquer maneira, mesmo que uma mudança fosse feita neste momento, seria difícil justificar que ela fosse retroativa, pois outras alterações na pontuação que já foram feitas antes entraram em vigor apenas para os anos seguintes.

Mesmo com essas limitações, a Red Bull apelou à FIA para revisar o caso de Herta. A empresa conclamou duas questões do regulamento da Superlicença.

Uma delas é o item “d” do artigo 13.1.6 do anexo do Código Esportivo Internacional, que regulamenta a Superlicença. Este afirma que o piloto é elegível ao documento para correr na F1 “se marcou no mínimo 30 pontos para a Superlicença, mas foi considerado por determinação exclusiva da FIA que não pôde se classificar soos b itens a) [40 pontos] até c) [ter conseguido a superlicença antes], enquanto participando de um ou mais campeonatos listados no suplemento 1, por conta de circunstâncias fora de seu controle ou motivos de força maior.”

Difícil defender qualquer motivo de força maior para Herta não ter conseguido os 40 pontos sendo que ele competiu regularmente e sem enfrentar nenhum problema extra pista que poderia ter o atrapalhado. O argumento é basicamente que a experiência dele, que inclui vitórias em uma categoria como a Indy, deveria ser levada em conta. É uma alegação bastante subjetiva e que poderia abrir um precedente para outros competidores no futuro poderem tentar o mesmo processo.

O outro argumento da Red Bull, também de difícil defesa, é de que se o pedido de aplicação para a Superlicença acontecer ainda em 2022, a temporada de 2018 seria contada como a primeira de um período de quatro anos até 21, ano anterior do pedido. Assim, ele poderia somar 12 pontos de seu vice-campeonato na Indy Lights e chegaria ao total de 40.

Colton Herta vem sendo uma das estrelas da equipe Andretti
Colton Herta vem sendo uma das estrelas da equipe Andretti (Foto: Chris Owens/IndyCar)

Porém, além da manobra de interpretação sobre o período a ser considerado, a FIA ainda alega que a temporada de 2018 da Indy Lights teve apenas sete carros correndo regularmente por corrida durante o ano, abaixo do mínimo exigido no regulamento, de 10. Assim, aquele campeonato não pode ser considerado de qualquer maneira.

A FIA deve se posicionar nas próximas semanas sobre o pedido de Superlicença de Herta em sua atual situação. Mas caso realmente queira o piloto para 2023, a Red Bull/AlphaTauri pode usar outros artifícios dentro da regra.

Para começar, ainda mais a partir de agora que a temporada da Indy terminou, a equipe poderia colocar Herta para andar nos treinos livres da F1 até o final do ano. Com a exceção do GP de São Paulo, que é uma sprint race e só tem uma sessão livre que deve ser atendida pelo titular, ainda restam cinco etapas. Assim, o americano poderia somar mais cinco pontos.

Ainda lhe faltariam três pontos. Estes poderiam ser conquistados em algum campeonato de inverno, que acontecem entre dezembro e janeiro, como a Toyota Racing Series (na Nova Zelândia) e as Fórmulas Regionais Indiana e Asiática. Esse artifício foi utilizado por Pietro Fittipaldi, que entre 2019 e 20 ficou na quinta posição na F-Regional Asiática, o que lhe rendeu pontos que o fizeram alcançar os 40 para a sua Superlicença. Desta forma, ele foi elegível para substituir Romain Grosjean nas últimas duas corridas de 2020 na Haas.

O problema dessa alternativa é que, como ainda dependeria de um resultado no começo de 2023, a Red Bull/Alpha Tauri precisaria travar o mercado de pilotos até o último momento antes da próxima temporada. Isso porque a decisão sobre Herta é um ponto crucial que deve mexer com vários outros pilotos e times.

Caso consiga Herta, a AlphaTauri pode então liberar Pierre Gasly para a Alpine. Do contrário, o time precisaria manter o francês. Neste segundo caso, a Alpine precisa se mexer, já que perdeu tanto Alonso como Piastri. E aí, o time indicou nos últimos dias que considera Nyck de Vries (que também está no radar Williams) ou o piloto de seu programa de formação Jack Doohan.

Ou seja, muita gente e várias vagas devem ser afetadas pelos próximos capítulos dessa história.

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