GP de Montreal de 2010 foi um caos por conta dos pneus
(Foto: Bridgestone)

GP maluco em Montreal fez F1 começar apostar em desgaste de pneus

Em 2010, a F1 estava tentando se adaptar a um novo regulamento em que o reabastecimento tinha sido proibido. Os motivos para a decisão foram vários, desde questões de segurança, mas principalmente por razões financeiras, já que deixar de precisar de todo o equipamento para a operação em nas corridas era uma economia para os times.

Só que existia um outro lado da moeda. As estratégias das provas ficaram monótonas e extremamente previsíveis. Entre 1994 e 2009, o que ditou as escolhas de equipes e pilotos em relação aos pits era a quantidade de combustível no tanque e o ritmo possível com mais ou menos peso. Agora, os pneus precisariam fazer esse papel. Mas faltou planejar melhor essa mudança de visão.

Quando partiu para a temporada de 2010, a F1 se viu com um problema, já que os pneus da fornecedora única da época, a Bridgestone, tinham uma boa durabilidade e os pilotos precisavam em geral de apenas uma troca durante as corridas. E mesmo esse pit era feito muito por conta do regulamento, que já exigia que cada competidor usasse dois compostos diferentes durante as provas.

As estratégias, então, ficaram engessadas. Não existia mais diferença de peso entre os carros pela quantidade de combustível e as equipes tinham basicamente uma chance de tentar um undercut para ganhar posições. De resto, pouco mudava em relação ao desempenho dos pneus.

A F1 chegou então à oitava etapa da temporada de 2010 em Montreal e, sem querer, acabou descobrindo uma fórmula que passaria a ser adotada para todo o restante da década. E tinha tudo a ver com como o desgaste mais acentuado dos pneus poderia bagunçar as corridas da categoria.

Problemas para os pneus em Montreal

Desde os treinos livres, os pilotos começaram a sofrer com seus pneus durante o GP do Canadá. O problema era especificamente grave nos compostos macios, que se desgastavam em poucas voltas. Nas simulações de corrida naquele primeiro dia de evento, alguns pilotos mal conseguiam completar cinco voltas.

Ainda na sexta-feira, o diretor esportivo da Bridgestone, Hirohide Hamashima, admitiu que a empresa tinha sido pega de surpresa pela condição de aderência muita baixa no asfalto do circuito de Montreal, além das temperaturas mais amenas do que a F1 normalmente enfrentava na corrida canadense, tradicionalmente realizada no verão local.

“A superfície suja da pista aqui e as temperaturas mais baixas que o normal estão fazendo com que os pneus esfarelem [processo conhecido como graining]. Os pneus não conseguiam trabalhar em seu potencial máximo hoje porque não alcançavam a melhor faixa de temperatura para operarem. Isso significa que os pneus estão deslizando, causando graining transversal nos pneus dianteiros nas freadas e nos pneus traseiros por conta da demanda de tração”, explicou o dirigente.

Desgaste dos pneus durante o GP do Canadá de 2010 era visível e muito mais alto do que a F1 estava acostumada na época
Desgaste dos pneus durante o GP do Canadá de 2010 era visível e muito mais alto do que a F1 estava acostumada na época (Foto: McLaren)

É preciso apontar que o circuito de Montreal tem como característica principal seus longos trechos de aceleração seguidos por curvas e chicanes de baixa. Ou seja, os pilotos estão quase que o tempo todo realizando fortes freadas e chamando rapidamente o motor para tracionar nas saídas das tomadas, justamente os momentos em que os pneus estavam mais sofrendo por conta das condições inesperadas pela fornecedora.

Só uma das causas para todo o problema que talvez tinha sido subdimensionada tanto pela Bridgestone quanto pelas equipes era que diversos trechos do circuito de Montreal tinham sido recapeados para o GP de 2010. Nos anos anteriores, por conta da combinação da forte tração dos carros de F1 com a diferença enorme de temperatura entre o verão e o inverno de Montreal, o que fazia o asfalto dilatar e rachar na época de mais calor quando a prova era realizada, estava fazendo com que a superfície da pista se soltasse.

Para tentar resolver a questão, a organização local colocou um novo tipo de asfalto nos trechos que mais sofriam que usava agregados mais finos. Assim, o traçado destes pontos ficou menos poroso e também com menos aderência. E pior: como o circuito não foi totalmente recapeado, ele ficou em condições desiguais no total do percurso.

Ou seja, além de um asfalto verde e com pouca aderência nos trechos de freadas e tração, os pneus ainda enfrentavam situações de grip bastante diferentes durante uma volta completa. Um cenário terrível para se conseguir gerar simulações e previsões sobre como eles iriam se comportar a médio e longo prazo.

Diferença entre trechos recapeados e os que não receberam o novo asfalto era visível em Montreal
Diferença entre trechos recapeados e os que não receberam o novo asfalto era visível em Montreal (Foto: Bryn Lennon/Getty Images/Red Bull Content)

Caos emocionante fez F1 repensar seus pneus

A esperança era que com o passar dos treinos e uma previsão de temperaturas mais altas a partir do sábado, as condições melhorassem. Mas isso não aconteceu e o GP começou a ganhar um clima bem diferente do que a F1 estava enfrentava na época com relação aos pneus e estratégias.

Para começar, pela primeira vez na temporada, a Red Bull não conquistou a pole, que ficou com a McLaren de Lewis Hamilton. A equipe austríaca, no entanto, apostavam em uma estratégia diferente dos principais rivais, largando com compostos médios nos carros de Sebastian Vettel e Mark Webber. O time acreditava que os macios seriam um problema para os outros no começo da corrida e que iniciando a prova com a outra opção, poderia adiar a sua utilização para um momento de asfalto mais emborrachado e aderente.

Só que no dia da corrida, a condição do asfalto em Montreal continuou bastante desfavorável para os pneus. Os macios eram os que mais sofriam, mas os médios também não mantinham a durabilidade vista em outras provas. Além disso, como já era obrigatório usar os dois tipos de compostos, todos os pilotos acabaram tendo problemas mais ou menos graves em algum ponto da prova.

O líder Lewis Hamilton parou para o primeiro pit já na sétima volta. Só que as Red Bulls, com seus compostos mais duros, também não conseguiram alongar muito mais seus trechos. Webber fez sua troca já na volta 13 e Vettel, na 14. O resultado é que se a equipe pensou em tirar vantagem de largar com os médios, acabou se vendo em situação inversa com cerca de um quarto de prova.

A estratégia básica acabou sendo de pelo menos duas trocas de pneus durante a corrida. E mais do que isso, dependendo de como o piloto conseguia conduzir o carro e o acerto de cada equipe, o momento desses pits acabou sendo um diferencial importante para o desempenho de cada um, já que os pneus não conseguiam gerar temperatura, o que resultava em graining e falta de aderência.

Para se ter ideia, o GP do Canadá de 2010 acabou com os 24 carros do grid realizando um total de 61 paradas nos boxes. Com a exceção do GP da China, que tinha sido realizado com clima inconstante por causa da chuva, a corrida com mais pits até então na temporada tinha acontecido com no máximo 28 paradas.

Duas paradas para cada carro pareceu um caos para a F1 de 2010 em Montreal
Duas paradas para cada carro pareceu um caos para a F1 de 2010 em Montreal (Foto: Getty Images/Red Bull Content)

Só que se pilotos e equipes estavam sofrendo para acertar dentro da pista, a grande movimentação de estratégia, rendimento de pneus em momentos diferentes e trocas de posições, causou uma corrida que fez o público gostar do caos que a F1 estava vivendo.

A McLaren conquistou uma dobradinha com Hamilton à frente de Jenson Button, com a Ferrari de Fernando Alonso em terceiro. Os dois britânicos ainda pularam para a ponta do campeonato, que após oito etapas, tinha os cinco primeiros colocados separados por apenas 19 pontos.

No restante do campeonato, nas corridas que não tinham trocas extras por conta de chuva, a média de pit stops voltou a flutuar em torno das 28 paradas para os 24 carros do grid. A F1 então aproveitou as percepções positivas do que tinha acontecido em Montreal para pedir à Pirelli, que passaria a assumir o fornecimento de pneus a partir de 2011, para desenvolver compostos que se desgastassem mais e, por consequência, criassem mais opções de estratégias.

A empresa italiana sofreu críticas de pilotos e equipes em seus primeiros anos por conta da decisão, apesar de realmente entregar o que estavam lhe pedindo. Mesmo com alguns momentos de tensão com explosões e rasgos dos pneus (o que também fazia a Pirelli questionar se as equipes estavam seguindo os padrões de cambagem e pressão mínima), a F1 preferiu seguir com a estratégia de ter pneus com nível alto de desgaste durante toda a década.

A abordagem ficou um pouco mais conservadora apenas a partir de 2022, com a introdução do novo regulamento aerodinâmico da categoria, que fez a Pirelli dar um passo atrás para entender melhor os esforços pelos quais os compostos iriam passar com a energia lateral extra gerada pelo efeito solo. Mas aí, já é outra história.

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