A história das incríveis curvas inclinadas de Monza
Inaugurado em 1922, o circuito de Monza é um dos mais importantes e emblemáticos do automobilismo mundial. Até onde se sabe, é a terceira pista da história construída especificamente para a prática do esporte a motor, após Brooklands, na Inglaterra, e Indianápolis, nos Estados Unidos. O autódromo está no calendário da F1 desde o ano da fundação do Mundial, em 1950, e só esteve fora em uma temporada, em 80, quando passava por obras de modernização.
É uma pista que sempre teve característica de alta velocidade, e mesmo tendo passado por reformas no passar dos anos por questões de segurança, com adição de algumas chicanes, nunca perdeu este estilo. Tanto que ainda hoje é o que tem maior média de velocidade. A pole de 2020 foi registrada por Lewis Hamilton, de Mercedes, com MÉDIA de 264 km/h.
Até a primeira metade da década de 60, no entanto, existia ainda dois pontos do traçado que ficariam para a história de Monza e até hoje mexem com a cabeça de fãs e pilotos. O circuito tinha duas curvas extremamente inclinadas em 30° (para se ter uma ideia, o superspeedway de Talladega, da Nascar, tem 33°) e raio de 320 metros.
Até hoje, visitantes podem conhecer as duas estruturas de concreto, que ficaram abandonadas por décadas, mas que passaram a receber um cuidado especial nos últimos anos. E mais: voltaram recentemente a serem usadas até mesmo para competições (voltaremos a esse assunto mais abaixo).
A construção das curvas de Monza
Ao contrário do que muita gente encontra em pesquisas, o circuito foi já concebido lá na década de 20, em uma obra de apenas 100 dias, com suas curvas inclinadas. A pista tinha um traçado misto e um oval dentro de seu complexo, um parque localizado na pequena cidade de Monza, a apenas 18 Km do centro de Milão.
O mais interessante do projeto da equipe comandada pelo arquiteto Alfredo Rosselli é que as duas pistas se interligavam na reta dos boxes. Assim, organizadores das provas podiam usar apenas o misto, apenas o oval, ou uma versão de 10 Km em que os carros passavam pelos dois trechos, sendo que na saída da Grande Curva Sul, seguiam pelo lado de fora reta principal em direção ao trecho misto. Quando saíam da Parabólica (a mesma que existe até hoje, mas com formato mais arredondado), vinham mais próximos dos boxes à direita e depois de cruzarem a reta, entravam na tomada da Grande Curva Norte.
O objetivo de ter o oval ia além do automobilismo. Esse tipo de era traçado era o ideal para fabricantes de carros poderem testar seus modelos de rua e motores, exigindo o máximo do equipamento em grandes linhas retas. E o raio amplo permitia que os carros seguissem em alta velocidade.
Importante ressaltar que o misto também não tinha nenhuma das atuais chicanes: a Prima Variante, Seconda Variante e a Variante Ascari. Ou seja, mesmo neste trecho, era só pé embaixo mesmo!
Como era de se esperar, no entanto, um traçado com essas características acabou sofrendo com problemas de segurança em competições. Quando os carros batiam, o acidente era sempre forte por conta das altas velocidades. Após 10 anos da construção do autódromo, sete pilotos já tinham perdido suas vidas na pista.
A gota d’água aconteceu no GP de Monza de 1933, quando só o oval foi utilizado. Na mesma prova, três pilotos morreram em dois acidentes diferentes na Curva Sul. Entre eles, Giuseppe Campari e Baconin Borzacchini, duas das grandes estrelas da época. Aquele 10 de setembro ficaria lembrado como o “Domingo Negro” entre os amantes do esporte da época.
Nos anos seguintes, a versão só oval não foi mais utilizada. A Curva Norte foi abandonada e a Sul ganhou uma chicane no meio. Após a II Guerra, quando o automobilismo retomou suas atividades normais, as curvas inclinadas de Monza foram não só banidas como demolidas, em um trabalho de modernização do Autódromo, que contou ainda com novas arquibancadas e instalações de boxes, realizadas pelo engenheiro Aldo di Rionzo.
A retomada das curvas inclinadas
Apesar de mais seguro, os dirigentes do autódromo sempre quiseram tentar manter a áurea de “Templo da Velocidade” de Monza. E o logo no começo da década de 50, novos planos para reintroduzir as curvas inclinadas no circuito começaram a surgir. E eles acabaram indo em frente.
O trabalho começou em 1954 para a construção de novas Curvas Norte e Sul, no mesmo estilo das que existiam até o começo dos anos 40, mas agora com estruturas mais robustas de concreto.
A Curva Sul, no entanto, ficou mais próxima da reta principal. Além disso, a reta “oposta” também tinha sido esticada e levemente deslocada. Assim, a Parabólica precisou ganhar um novo desenho, com a entrada um pouco mais fechada e a saída em uma diagonal que vai abrindo aos poucos em direção à reta, como é hoje. Essa mudança se deu para abrir espaço entre a Parabólica e a saída da Curva Sul, que agora saíam praticamente juntas.
Como antes, Monza passou a contar com um traçado oval de 4,2 Km (pouco mais que a metade de Indianápolis), um misto de 5,7 Km (praticamente o mesmo de hoje, mas ainda sem as chicanes) e um que juntava os dois, de 10 Km no total (lembrando que os carros passavam duas vezes pela reta dos boxes na mesma volta).
Um dos maiores desafios para os pilotos era encontrar a melhor calibragem para os pneus, já que os compostos precisavam aguentar as forças laterais na abrasiva superfície de concreto das curvas inclinadas, enquanto também não podiam perder desempenho no misto, que era feito em asfalto.
A F1 estreou no traçado completo em 1955. Ne edição do GP da Itália de 1956, vários pilotos reclamaram da vibração causada pelas ondulações nas grandes Curvas Norte e Sul. Várias explosões de pneus também acontecerem nos trechos, deixando todos bem assustados. Assim, o Mundial resolveu não correr mais nesta versão, voltando a utilizar apenas o misto em 57, que também já era bem veloz.
Os fãs, no entanto, não ficaram orfãos das grandes curvas inclianadas. Nos dois anos seguintes, um grande evento fez carros e alguns pilotos de F1 voltarem a andar no oval de Monza. “A Corrida de Dois Mundos”, que também ficou popularmente conhecida como Monzanápolis, foi promovida no autódromo italiano para fazer um embate entre modelos e representantes da Indy e da F1. Se você ficou curioso, temos um artigo específico bem completo sobre esse evento aqui.
Mas não demoraria para o Campeonato Mundial retornar ao traçado completo de Monza. Após grande pressão da Ferrari, o circuito com as curvas inclinadas voltou ao calendário em 1960. O carro da equipe era ruim naquela temporada, mas tinha uma qualidade: velocidade de reta. As principais equipes inglesas, como Lotus, BRM e Cooper, resolveram então boicotar a prova, que terminou com três Ferraris, lideradas por Phil Hill, no pódio.
É importante destacar, no entanto, que a realização da prova não era exatamente algo fora dos padrões da categoria na época. Apenas um ano antes, a F1 correu em um circuito ainda mais radical, de AVUS, na Alemanha. A pista nas cercanias de Berlim possuía uma curva com ainda mais inclinação, que chegava aos 43°, mas com um raio bem menor.
Em 61, com um novo regulamento de motores que diminuía bastante as velocidades dos carros, os times ingleses aceitaram correr novamente no traçado completo de Monza. A temporada, dessa vez, tinha a Ferrari forte, com Wolfgang von Trips e Phil Hill brigando pelo título.
Só que a corrida acabou em tragédia. Von Trips sofreu um acidente em plena reta que leva para a curva Parabólica. Ele e 15 expectadores que estavam à beira da pista morreram. Apesar da batida não ter acontecido nos pontos das curvas inclinadas, a F1 decidiu que nunca mais correria no trecho novamente por falta de segurança.
Em 1966, no entanto, aconteceu uma pequena exceção. Os pilotos da época aceitaram realizar algumas filmagens em alta velocidade nos trechos das curvas inclinadas para o filme Grand Prix. Mesmo que não sejam de uma corrida de verdade, as imagens certamente são algumas das mais incríveis da história nesses trechos de Monza.
Mais algumas provas de esporte-protótipos e competições locais aconteceram ainda durante a década de 60, mas a FIA resolveu banir este tipo de curva da maior parte de suas competições e não aceitar mais homologar pistas deste tipo. Muitos circuitos europeus, inclusive, foram reformulados por conta dessa decisão.
Retomada?
Diferente do que aconteceu na década de 40, o Autódromo de Monza resolveu manter as suas curvas inclinadas depois de serem abandonadas como uma espécie de ponto turístico. E como vemos nas fotos de equipes e pilotos antes de cada GP da Itália, principalmente a Curva Norte é sempre bastante visitada e ponto de muitas brincadeiras de escalada.
Em 2021, a F1 voltou a utilizar curvas inclinadas em seu calendário após uma reformulação de Zandvoort. Calma, não existe, a princípio, nenhuma chance das grandes tomadas de Monza voltarem a ser utilizadas, mas desde 2010, elas vêm passando por algumas reformas para não só serem mantidas como cenários em eventos promocionais com carros e até algumas pequenas competições.
O Mundial de Rali (WRC), por exemplo, fechou sua temporada de 2020 em Monza e, em um dos estágios, usou trechos do oval, com algumas chicanes montadas com barreiras de pneus. Assim, os pilotos saíam dos trechos internos do parque do autódromo e passavam pelos lendários pontos de alta.
Não foi exatamente uma volta ao passado, mas deu para alguns fãs verem de novo as icônicas curvas inclinadas serem utilizadas em uma competição de verdade após quase seis décadas. A ideia é que outras pequenas modalidades, como o evento anual do Rali de Monza, continuem a utilizar o trecho.
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