(Foto: Ferrari)

Qual é o trabalho do assoalho e a influência no desempenho de um F1

Um carro de F1 é hoje pensado em cada detalhe, desde do bico, asas, assoalho, apêndices e posição do piloto. E todo o seu desenho, mesmo de partes menos óbvias, tem alguma influência na aerodinâmica. Até mesmo dos componentes internos, já que eles precisam ser encaixados dentro da carroceria de uma forma que não atrapalhe o que os projetistas pensaram para o projeto externo.

Esse detalhismo tem consequência direta no resultado da equipe, pois a aerodinâmica é um dos fatores que mais influenciam no desempenho final do carro de F1. E os engenheiros têm várias partes para “brincarem” até chegarem a um projeto uniforme.

Boa parte dos elementos aerodinâmicos de um F1 fica nem visível ao público, imprensa e adversários. Estão nesta lista, por exemplo, as asas traseiras e dianteiras, os sidepods, cobertura do motor, entre outros. Mas tem um componente que sempre foi importante, mas ganhou ainda mais valor a partir do novo regulamento de 2022 e que fica escondido dos olhos de todos: o assoalho.

Isso acontece porque ele fica na parte debaixo do carro, começando um pouco à frente da posição do piloto e indo até o final na traseira dos modelos. E por que ele ganhou tal protagonismo na nova era da F1? Por conta da reintrodução do efeito solo na categoria.

Este conceito aerodinâmico surgiu na F1 no final da década de 70, após estudos da equipe Lotus, que trouxe para a categoria ideias que já eram utilizadas em campeonatos nos Estados Unidos.

Por conta do aumento do número dos acidentes, a FIA resolveu proibir o excesso dos projetistas no aproveitamento do efeito solo. Para isso, a partir de 1983, o regulamento passou a obrigar que os assoalhos dos carros da F1 fossem planos.

Quase uma década depois, em 1994, a FIA introduziu ainda uma prancha que fica posicionada na parte central embaixo dos monopostos que a ajuda a verificar se os modelos estão andando muito baixos..

Após quase 40 anos da mudança dos assoalhos, a F1 resolveu voltar atrás. Para o novo regulamento de 2022, o efeito solo acabou se tornando uma solução para poder diminuir a turbulência causada pelos elementos aerodinâmicos da parte de cima dos carros, como a asa traseira, e assim fazer com que os pilotos possam perseguir seus adversários de forma mais próxima nas curvas.

E para isso, o trabalho no assoalho acabou sendo essencial por parte dos projetistas para tirarem o melhor proveito desta nova oportunidade de desempenho na F1.

Como funciona o assoalho com efeito solo na F1

Com o novo regulamento, os engenheiros puderam abandonar os antigos assoalhos planos e desenharem na peça que fica embaixo dos carros caminhos para a passagem do ar. Esses desenhos são conhecidos como Túneis Venturi, que produzem um efeito de mesmo nome.

Quando o fluxo de ar passa em um desses tubos, com próprio asfalto por baixo, ele cria um sistema fechado. Estes caminhos possuem uma variação de largura, e quando se estreitam, eles aceleram esse fluxo de ar.

Quando esse ar acelera por baixo do carro em relação ao ar que está acima, ele produz uma zona de baixa pressão que gera um efeito de sucção. Desta forma, o carro é puxado para baixo e fica mais “colado” ao chão.

Túneis do assoalho ficaram a amostra após acidente de Zhou Guanyu em 2022 com a Alfa Romeo
Túneis do assoalho ficaram a amostra após acidente de Zhou Guanyu em 2022 com a Alfa Romeo

Isso faz com que os carros ganhem aderência aerodinâmica, o que contribui de forma decisiva para que os pilotos façam as curvas de forma mais rápida. A vantagem em relação ao regulamento antigo é que agora eles fazem isso causando menos turbulência para quem vem atrás, o que permite que os carros andem mais próximos.  

A grande chave aqui é que a equipe que conseguir aumentar a eficiência de seu assoalho, pode abrir mão de pressão aerodinâmica fornecida por outros dispositivos, como asas dianteira e traseira, entre outros. Desta forma, além de bom desempenho nas curvas, esse time também terá menos arrasto nas retas. Um pacote completo em termos de competitividade.

Por outro lado, outra consequência que se tornou uma grande dor de cabeça para equipes e pilotos em 2022 foi o porpoising (ou efeito golfinho). São aqueles quiques aerodinâmicos que os carros davam em alta velocidade, especialmente nas retas. O Projeto Motor já explicou aqui em artigo e vídeo. Após trabalho das próprias equipes e da FIA com regulamentação, esse problema foi consideravelmente diminuído em 2023.

Mas é importante destacar que só o assoalho sozinho não faz tudo sozinho. Para conseguir tirar o máximo de desempenho do efeito solo, as equipes trabalham em partes importantes como o direcionamento do ar na parte frontal dos carros para o assoalho e o controle desse fluxo tanto por baixo como por cima da peça para gerar a energia da forma esperada e o conceito tenha os efeitos necessários.

Existe uma grande mudança em relação a utilização do efeito solo de 2022 em relação ao regulamento de até 1982. Na década de 70 e 80, para produzir um sistema fechado debaixo dos carros, os projetistas instalaram saias laterais que chegavam a tocar no asfalto e não permitiam que o fluxo de ar escapasse pelas beiradas do assoalho.

Essas saias não foram liberadas nas novas regras. Sendo assim, os projetistas selam os assoalhos utilizando aerodinâmica. Isso é feito através das extremidades dos assoalhos, que possuem dobras e recortes que produzem um efeito de vórtice ao lado do elemento. Este efeito faz com que o ar mais rápido embaixo do carro permaneça preso ali (entre outras funções, como a de ajudar o fluxo que passa pela parte de cima do assoalho).

Vórtice aerodinâmico sela assoalho
Vórtice aerodinâmico sela assoalho (Foto: Zak Mauger / LAT Images /Pirelli )

Como você pode perceber, o desenho de cada milímetro do carro acaba influenciando diretamente no funcionamento de todo o projeto. Por isso as equipes desenvolvem detalhes que para quem olha de longe podem parecer apenas um capricho desnecessário.

Mudanças e evolução para 2023

Para o segundo ano do novo regulamento, a FIA e a F1 resolveram adotar alguns ajustes por questões não só de segurança (porpoising), mas também para fechar brechas que estavam sendo aproveitadas por determinadas equipes. Assim, a traseira dos assoalhos passou a ter uma altura mínima um pouco mais alta, para evitar as golfinhadas nas retas.

Além disso, já durante o campeonato de 2022, a FIA também mudou a forma como mede a rigidez da prancha que fica embaixo do carro, pois alguns times estavam conseguindo driblar o protocolo anterior e produzir assim assoalhos flexíveis.

Isso era feito através da montagem da parte traseira da prancha do assoalho para fazer com que ela se flexionasse quando está na pista. Desta forma, o carro anda mais próximo do solo, sem bater no chão, pois a prancha flexiona e retorna à sua espessura original, sem sofrer desgaste. O Projeto Motor já detalhou a questão em outro artigo.

De qualquer forma, as equipes continuam investindo forte para entenderem a melhor forma de utilizarem o efeito solo em seus carros e buscarem assim um equilíbrio que propicie um modelo de boas respostas e rapidez nas curvas, mas também com velocidade de reta.

Enquanto os sidepods, que também ganharam importância no novo regulamento, é uma área bastante visível para o público na batalha entre projetistas, existe uma grande guerra mais escondida pelo melhor assoalho.

Comunicar erro

Comentários

Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial