Michael Andretti, com a McLaren de 1993 na F1
(Foto: McLaren)

De estrela a descartável: o fracasso de Michael Andretti na F1

Em 1993, a F1 recebia em seu grid um dos principais nomes da época da Indy, Michael Andretti, campeão de 1991 e com quatro vice na categoria americana, incluindo os de 90 e 92. O piloto de 30 anos chegava à McLaren, que ainda era uma das potências do Mundial apesar de ter sido dominada pela Williams na temporada anterior, e com um sobrenome de peso pelo currículo de seu pai, Mario.

Tudo indicava que a parceria poderia ser de sucesso. Michael Andretti era um dos grandes nomes de sua geração nos Estados Unidos e tinha tudo para se tornar também um novo embaixador da F1 no país.

Só que as coisas desandaram. E rápido. Muito rápido. A passagem de Andretti pela F1 acabou se tornando uma grande mancha em sua carreira. E, por coincidência ou não, após quase trinta anos desse caso emblemático, nunca mais um piloto americano teve outra chance em uma equipe de ponta no Mundial.

Mas afinal, o que deu errado? Nessa história, é mais difícil apontar se algo deu minimamente certo. Desde o desempenho de Andretti em si até toda a situação que ele enfrentou, tudo em 93 foi horrível e bagunçado. Algo inesperado para a chegada de um piloto do nível dele em uma das melhores equipes da F1.

O namoro de Andretti com a F1

Mario Andretti é um dos maiores ícones do automobilismo americano. De origem italiana (curiosamente, a cidade onde ele nasceu, Montona, hoje, fica na Croácia) e radicado nos Estados Unidos ainda na adolescência, o piloto venceu corridas e títulos na Indy, endurance, Nascar e, claro, na F1, onde conquistou o Mundial em 1978, pela Lotus.

E mais: família toda se envolveu com automobilismo com algum sucesso, como já contamos em outro artigo aqui no Projeto Motor, com Aldo (irmão de Mario), John e Adam (sobrinhos), Jeff e Michael (filhos) e mais recentemente, Marco (neto), entre outros.

Michael Andretti estava voando na Indy. Vice-campeão das temporadas de 1986, 87 e 90, ele se tornou rapidamente um dos grandes nomes da nova geração de pilotos americanos, que também incluía outro filho de grande piloto, Al Unser Jr.

Na virada da década de 80 para 90, a Indy, que já era uma categoria importante principalmente por conta das 500 Milhas de Indianápolis, parece ter dado um salto em popularidade fora dos Estados Unidos. Além da competitividade e boas provas, Emerson Fittipaldi chamou a atenção do mercado brasileiro e europeu.

Do outro lado, a F1 nunca escondeu que gostaria de ter uma presença mais forte nos Estados Unidos. E a chegada de uma grande estrela do país poderia ser algo importante. Durante a temporada de 1991, começaram os rumores de que Michael e Al Jr estavam na mira de equipes da F1.

Em 10 de fevereiro daquele ano, Andretti realizou um teste com a McLaren no circuito de Estoril, em Portugal, usando o modelo MP4-5B da campanha do título de Ayrton Senna em 90. O piloto deixou uma boa impressão e Ron Dennis, então chefe da equipe inglesa, começou a considerá-lo para um futuro próximo. Para 92, no entanto, ele renovou com Senna e Gerhard Berger, e quase viu o americano ir parar num rival.

Recentemente, em uma entrevista ao site americano Racer, Michael Andretti revelou que chegou a assinar um contrato com a Ferrari para competir em 1992. O piloto estava na equipe Newman-Haas fazendo uma grande temporada, que resultaria em seu primeiro – e único – título na Indy. Ele alega que tinha um acordo com o dono da equipe, Carl Haas, que ele poderia pedir dispensa no caso de uma proposta da F1. Só que após a negociação com a escuderia de Maranello, ele não conseguiu a liberação.

“Quando eu trouxe [o contrato com a Ferrari] para o Carl, ele disse: ‘não vou deixar você ir’”, relembrou Andretti. “Eu respondi ‘você disse que deixaria!’. Eu fiquei muito, muito revoltado com ele. Estávamos no mesmo hotel e saímos para a corrida pela manhã, e eu não falava com ele.”

Michael Andretti (#10) luta com Rick Mears (#3) nas 500 Milhas de Indianápolis de 1991, ano do título de Andretti na Indy
Michael Andretti (#10) luta com Rick Mears (#3) nas 500 Milhas de Indianápolis de 1991, ano do título de Andretti na Indy (Foto: IMS)

No ano seguinte, agora campeão de 1991 e com contrato válido para apenas mais uma temporada, Andretti então abriu conversas com a McLaren para 93. Mais uma vez, Andretti fazia uma boa temporada na Indy e terminou com novo vice-campeonato.

Do outro lado, a equipe inglesa entrava em um momento turbulento. O modelo MP4-7 de 1992 se mostrou, num geral, problemático. Primeira experiência do time com artifícios de maior tecnologia que já estavam mais maturados na Williams, como câmbio semi(e até totalmente)-automático, acelerador por sensor eletrônico, embreagem automatizada, e controle de tração, ele marcou também uma fase de transição e compreensão de todos esses dispositivos.

Para piorar, a Honda anunciou no segundo semestre que deixaria a F1 na temporada seguinte. O fim da parceria, que vinha desde 1988, representava não só uma perda técnica como também financeira, já que a marca japonesa injetava dinheiro na organização e ainda pagava parte do salário de Senna.

Para tentar apaziguar o problema, Dennis tentou comprar os potentes motores da Renault, que estavam fazendo sucesso na Williams. Em uma opção desesperada, ele chegou a considerar comprar toda a equipe Ligier para ficar de posse do contrato da equipe francesa com a fornecedora, o que acabou sendo descartado. Curiosamente, três anos depois, essa estratégia seria colocada em prática por Flavio Briatore para levar os propulsores da Renault para a Benetton.

Os dois pilotos da McLaren, Senna e Berger, também ficariam sem contrato para 93. Dennis então, tratou de se garantir neste quesito. Ele fechou contrato com Michael Andretti já em setembro e anunciou o acordo no GP da Itália. Berger estava de partida para a Ferrari. Com Senna tentando ir para a Williams (o brasileiro forçou publicamente um acordo, mas foi vetado por Alain Prost, que chegava com apoio da Renault), o dirigente ainda preferiu se garantir e fechou também com Mika Hakkinen, que vinha da Lotus. O finlandês, no entanto, não tinha garantia de correr caso Senna renovasse.

Quando chegou a hora de assinar o contrato com a McLaren, Andretti confessa que chegou a ter dúvidas pelo seu ótimo momento na Indy. Mas foi seu pai, Mario, que o convenceu de que a F1 poderia ser um passo importante para ele.

“Eu falei para meu pai, ‘não sei, se eu ficar aqui vou quebrar todos os recordes’. Eu ia vencer literalmente todas as corridas do ano seguinte. Eu sabia, pois tínhamos resolvido todos os problemas de confiabilidade e tal. Mas ele me disse ‘você está louco se não for!’. Eu disse, ‘ok’ e fui. E foi a última vez que ouvi meu pai”, disse Michael rindo em uma entrevista em 2018 ao podcast do jornalista americano Marshall Pruett.

No começo de 93, com o novo MP4-8 sendo lançado no inverno em Silverstone, ainda existia dúvida sobre quem correria, Senna ou Hakkinen. Tanto que a apresentação do novo modelo foi feita apenas com Andretti e o finlandês. O brasileiro acabaria fechando uma série de acordos U$ 1 milhão por prova nas primeiras etapas da temporada até que chegasse a um contrato definitivo com a McLaren para aquele ano. Assim, ele formaria a dupla de bastante peso com Andretti, ambos campeões da F1 e Indy de apenas dois anos antes, em 91. Hakkinen ficaria no “banco de reservas”.

Apresentação da McLaren para 1993 com Andretti e Hakkinen, em Silverstone, no mês de fevereiro (Reprodução/Eurosport)

Para o motor, sem a Honda e com as portas fechadas na Renault, Dennis teve que se conformar em virar cliente da Ford, recebendo, a princípio, um equipamento de segunda linha, enquanto a Benetton seguia com a prioridade das novas evoluções. Isso durou até metade do ano, quando a McLaren, após muita pressão de Dennis e Senna, finalmente conseguiu receber as mesmas especificações da rival.

Mas, como se vê, a equipe passava por um momento bastante conturbado. No primeiro teste com o MP4-8, Andretti deu uma volta e meia e o carro quebrou. O modelo era uma quase revolução para o time, com um investimento gigante da parceira TAG no pacote eletrônico. Aos poucos, a equipe até conseguiria desenvolver bem seus novos dispositivos, que trariam bons frutos principalmente no comportamento em pista molhada. Mas o déficit de potência do propulsor Ford em relação ao Renault se tornaria essencial para mais um ano andando atrás da Williams.

Na pista, nada deu certo

Andretti chegou como uma grande estrela. Mas enfrentaria algumas grandes dificuldades. A maior delas era uma mudança no regulamento que limitaria muito sua adaptação. Por questões de corte de custos, as equipes não poderiam mais realizar testes privados durante o ano em pistas do calendário. Além disso, durante os treinos livres do final de semana de GP, cada piloto poderia completar apenas 23 voltas.

Michael Andretti, nos boxes da McLaren, em 1993
Michael Andretti, nos boxes da McLaren, em 1993 (Foto: McLaren)

Com uma carreira toda construída nos Estados Unidos, Andretti tinha praticamente nenhum conhecimento dos circuitos que a F1 visitava, que eram mais familiares aos competidores que vinham das categorias de base europeias ou que já competiam no Mundial.

Quando o campeonato começou, um misto de problemas mecânicos com uma série enorme de erros começou a colocar uma pressão extra no piloto. Na estreia, na África do Sul, ele se classificou em nono a três segundos de Senna, segundo. Na prova, ele ficou parado no grid com um problema na embreagem. Foi levado ao box e conseguiu entrar na prova quando já estava três voltas atrás, mas bateu logo em seguida e abandonou.

No Brasil, ele bateu na largada em Berger, em acidente em que os dois carros colidiram forte na barreira de pneus e chegaram a decolar. Na terceira etapa, em Donington Park, ele largou na sexta posição e fazia uma boa primeira volta, logo atrás de Senna, mas acabou colidindo com Karl Wendlinger quando tentava subir para quarto. Andretti mostrou alguma evolução em Imola ao se classificar em sexto a 0s7 de Senna, quarto, mas novamente abandonou a prova após 32 voltas ao rodar quando atacava [de novo] Wendlinger em briga pela quarta posição.

Ele finalmente recebeu a bandeira quadriculada no GP da Espanha, em quinto, mas ficou uma volta atrás do companheiro, Senna, segundo. O resultado, apesar de representar os primeiros pontos do americano na F1, fizeram as críticas, que já tinham começado a aparecer, ficarem mais pesadas por conta do desempenho geral. A imprensa inglesa questionava o comprometimento de Andretti pelo fato dele continuar morando nos Estados Unidos, entre outros fatores.

Também foi apontado a dificuldade de adaptação a um carro tecnológico como da F1, em uma das eras com mais eletrônica, vindo de uma categoria como a Indy que não usava praticamente nenhum dispositivo do tipo. Na entrevista a Pruett, porém, Andretti apontou que isso era o que ele justamente mais gostava na F1.

“Essa parte era divertida. Você podia fazer o que quisesse com o carro. Eu estava me divertindo com isso. O problema é que infelizmente meu carro nem sempre fazia o que deveria fazer. Isso em muitos momentos era um problema. Mas, de qualquer maneira, era divertido. A reunião pós-pista era muito longa, pois passávamos literalmente curva-a-curva. O quanto tempo você passava nos freios, ‘eu quero que a traseira abaixe quando eu encosto nos freios’, colocar o peso para esquerda, baixar algo. Você podia fazer o que quisesse. Era incrível. Essa parte, como piloto, era divertido. Lembro de ficar conversando com o Senna sobre o carro, o que queríamos fazer com o carro e tal.”

Substituição por Hakkinen

A verdade é que os resultados simplesmente não apareciam. Enquanto Senna venceu o GP de Mônaco, o americano ficou apenas em oitavo na prova. Ele voltou a pontuar com um sexto lugar na França, mas sofreu novos acidentes na Inglaterra e Alemanha, e terminou fora da zona de pontuação (que na época era até o sexto lugar) no Canadá e na Bélgica. Ele também abandonou o GP da Hungria com um problema no sistema eletrônico do acelerador.

A McLaren tinha uma opção de renovação com Andretti para 1994 e podia exercê-la até novembro. No começo de setembro, após a prova de Spa, Dennis avisou que iria colocar Hakkinen em seu lugar para fazer o restante das provas de 93, e que iria esperar até o limite do prazo para tomar uma decisão para a temporada seguinte. A dúvida do dirigente era se conseguiria ou não segurar Senna, o que acabou não acontecendo.

Mario pediu então para Dennis, por uma questão de raiz familiar, que seu filho pudesse pelo menos competir no GP da Itália. O chefe da McLaren acabou atendendo e curiosamente aquela foi a melhor prova do americano em sua curta passagem pela F1, subindo ao pódio em terceiro.  

Michael Andretti conquistou seu primeiro e único pódio na F1 no GP da Itália de 1993

“Ele não foi demitido”, afirmou Mario em entrevista ao podcast de Pruett. “Ron Dennis disse que não poderia fazer a renovação até novembro. Mas ele queria que Mika Hakkinen fizesse algumas corridas até o final da temporada e assim ele entraria na Itália. Eu pedi para ele, ‘por favor, deixe ele [Michael] fazer pelo menos Itália. Por mim’. E ele deixou. E ele terminou em um ótimo terceiro.”

Hakkinen assumiu o carro de número 7 a partir do GP de Portugal para as três etapas finais do ano. No Estoril, ele de cara superou Senna na classificação ao conseguir a terceira posição do grid enquanto o brasileiro ficou em quarto. Na prova, ambos abandonaram. Senna venceu em Suzuka e Adelaide enquanto o finlandês foi terceiro no Japão e deixou a prova em Adelaide quando era quarto.

Do outro lado, Andretti nem quis mais conversa e logo fechou um contrato com a Ganassi para retornar à Indy em 94. “Foi uma experiência legal. Correr com Senna como companheiro de equipe, eu gostei. Nos tornamos amigos. Ele uma vez disse que eu fui um dos melhores companheiros que ele teve. Ele fez uma coletiva de imprensa quando eu saí e falou que de como eu fui mal tratado e como eu fui tratado de forma errada. Aquilo foi legal que ele fez por mim, e ele não precisava. E ele era tão bom…”, relembrou o hoje chefe de equipe na Indy.

Michael venceu a primeira prova da temporada de 94 da Indy, em Surfers Paradise, na Austrália. Em uma entrevista anos mais tarde ao site oficial da McLaren, disse que Senna foi a primeira pessoa a ligar para ele após o triunfo, dizendo que ficou acordado de madrugada no Brasil para assistir à prova.

Senna e Andretti mantiveram uma boa relação enquanto companheiros na McLaren, em 1993
Senna e Andretti mantiveram uma boa relação enquanto companheiros na McLaren, em 1993 (Foto: McLaren)

Ele sempre deixou claro que teve uma boa parceria com o brasileiro, porém, joga a culpa na McLaren e principalmente em Ron Dennis o fato de nunca ter conseguido levar para as provas o desempenho que tinha nos testes. “Ia andar em sessões particulares e estava sempre no mesmo décimo de Senna. Chegava nas corridas, misteriosamente ficava dois segundos atrás”, remói, Andretti. “Ninguém nunca vai saber a verdade. Eu não posso apontar o dedo e dizer ‘com certeza’, mas eu sei”, continua.

Mario Andretti concorda com as críticas de Michael, apesar de também conceder que ele realmente cometeu muitas falhas, apontando que muitas foram consequência de sua frustração ao acreditar que não era bem-quisto dentro da McLaren. Porém, ele indica que o maior erro do filho foi não esperar e dar mais uma chance à F1.

“Se Michael fosse mais paciente e tivesse a paixão pela F1 que eu tinha, ele provavelmente diria para Ron, ‘certo, eu espero’. E no final, Ayrton [Senna] foi para a Williams e ele receberia um novo contrato. Mas Michael sentiu que eles não o queriam e veio de volta para os Estados Unidos. Foi em parte um erro de Michael, de não perseguir isso. Quando eu fui para a F1, eu percebi que precisava dedicar alguns anos da minha carreira àquilo. Eu fiz uma fase em tempo parcial, mas aí percebi que tinha ter o foco total para fazer direito”, disse o campeão de 78 ao podcast de Pruett.

Curiosamente, 25 anos depois, Michael Andretti fez uma parceria com a McLaren, já fora das mãos de Ron Dennis, para operacionalizar uma campanha da equipe inglesa nas 500 Milhas de Indianápolis de 2018, com Fernando Alonso. O próprio ex-piloto comandou o pit e a estratégia do espanhol, o que significou uma espécie de pazes com o time.

“Eu não guardo nenhum rancor, apenas com uma pessoa, mas ela nem está lá mais”, disse Andretti em 2018, se referindo a Dennis. “Eu odiava, desprezava a McLaren até há uns dois anos. Eu amo agora. Você vai agora lá e parece outra equipe. Dá para ver que eles estão se divertindo com o que fazem.”

No final das contas, a passagem de Michael Andretti pela F1 durou somente 9 meses, com 13 participações e apenas três resultados na zona de pontos, incluindo o pódio no GP da Itália.

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