Como funciona a concorrência que a FIA lançou para novas equipes na F1
A FIA anunciou na última quinta-feira (02) a abertura de um processo de inscrição para uma concorrência que possivelmente poderá indicar duas novas equipes para o grid da F1.
Como você pode perceber, usamos no texto a palavra “possivelmente” porque a questão ainda deve gerar muita discussão entre FIA, detentora dos direitos comerciais da F1 e os atuais times participantes.
Nos últimos anos, principalmente com a entrada em vigor da regra do teto de gastos, que deve fazer com que as equipes se tornem lucrativas e com valor maior para futuras vendas ou recepção de investidores, alguns interessados em entrar na F1 surgiram.
A mais vocal foi a Andretti, que já participa de diversas categorias pelo mundo, incluindo a Fórmula E, também homologada pela FIA. No começo de 2023, o time até realizou um evento para anunciar uma parceria com General Motors, que utilizará a marca Cadillac, para a empreitada na F1.
Porém, segundo os próprios dirigentes do Mundial, outras organizações e empresas, incluindo até mesmo montadoras, têm feito consultas nos últimos tempos sobre a possibilidade de competirem na categoria com uma nova equipe.
O último time totalmente novo no campeonato, que entrou formando uma organização do zero, foi a Haas, em 2016, sob liderança do empresário Gene Haas, que tempo possui time na Nascar. Antes dela, três times (HRT, Virgin e Caterham) entraram na categoria em 2010, após uma concorrência bastante conturbada promovida pela FIA em meio a uma guerra política com as equipes da F1, da qual já contamos aqui no Projeto Motor em uma série de artigos e no vídeo abaixo.
Segundo o comunicado da FIA, os aplicantes para o novo processo terão que apresentar uma documentação com uma série de informações importantes para serem considerados na possível concorrência. Entre elas estão a identidade não só da empresa, mas dos acionistas e proprietários, capacidade técnica, experiência, recursos humanos (o que inclui currículo de seu principal diretor) e de “habilidade de angariar e manter fundos suficientes para permitir a participação no campeonato em um nível competitivo”.
Além disso, as candidatas também precisarão explicar como lidam com desafios de sustentabilidade e os planos para alcançarem o objetivo da F1 de zerar a pegada de CO2 até 2030. A equipe também vai ter que expor como planejam gerar um impacto social positivo com sua participação no campeonato.
Para a simples demonstração de interesse nesta primeira fase, as equipes já terão que fazer um depósito para a FIA de U$ 20 mil. Após uma filtragem inicial dos requisitantes, uma nova taxa de U$ 300 mil será exigida para cobrir os custos da FIA no trabalho de diligência que será feito nos meses seguintes e irá determinar quem realmente se encaixa nos requisitos.
No caso de uma seleção definitiva, ainda existe uma taxa de diluição de U$ 200 milhões prevista no último Pacto de Concórdia. O valor será dividido entra as atuais equipes do grid e serve para compensar a diminuição de recebimentos vindo dos lucros da F1 pela divisão em mais participantes.
O limite do prazo para entrega da documentação é 30 de abril de 2023. A FIA espera realizar toda diligência da segunda fase até 30 de junho. As equipes possivelmente selecionadas poderão entrar no grid entre as temporadas de 2025 e 27. Lembrando que um novo regulamento técnico e de motores deve ser introduzido na F1 em 2026.
Seleção e desafios políticos para processo da F1
Mesmo com o processo aberto, existem vários desafios a serem superados para que as duas novas equipes sejam aceitas na F1. A própria FIA informa no documento de chamada aos interessados que não existe garantia que algum time seja selecionado.
Existe ainda uma questão política. A FIA anda em pé de guerra com a F1. O problema é especificamente com o atual presidente da entidade, Mohammed Ben Sulayem, que assumiu o cargo em 2021. Recentemente, o dirigente publicou uma série de tweets criticando o valor de U$ 20 bilhões que teria sido oferecido pelo Fundo Soberano da Arábia Saudita pela F1, informação que foi revelada pela Bloomberg.
Em resposta, a F1, que tem atualmente como proprietários o grupo de mídia americano Liberty, criticou a postura do presidente da FIA, que poderia prejudicar o valor da categoria no longo prazo.
Os dirigentes da F1, incluindo não só a administração da categoria, mas também alguns chefes de equipe, também andam bastante reticentes quanto a entrada de novos times. A questão inicial é a de uma divisão em mais partes das verbas que cada equipe recebe vindas dos lucros da F1.
Existe até mesmo uma discussão sobre o valor de diluição atual que está previsto no Pacto de Concórdia, de U$ 200 milhões, que para alguns dos times atuais é baixo. Vários dirigentes até mesmo apontam para outras ligas (principalmente americanas) que utilizam esse tipo de dispositivo para permitirem a abertura de novas equipes (ou franquias).
Um exemplo recente sempre é lembrado por diversos dos dirigentes atuais é da taxa paga pelo Seattle Kraken de U$ 650 milhões para entrada na NHL (liga americana de hockey) em 2018. Porém, é bom lembrar que o atual montande previsto do acordo comercial da F1 foi assinado há apenas dois anos. Uma mudança agora seria apenas para a nova versão do pacto, em 2026.
Além desta questão, também existe a preocupação quanto a qualidade das organizações que entrariam na competição. O medo é de uma repetição do que aconteceu em 2010, em que algumas selecionadas sequer conseguiram estrear, e as que conseguiram correr nunca chegaram ao nível das rivais, mesmo após alguns anos de participação. Inclusive, nenhuma delas sobreviveu e hoje estão todas fora do grid.
Por outro lado, existe o bom exemplo da Haas, que entrou competitiva desde sua primeira temporada, e apesar de alguns altos e baixos, segue hoje em um nível satisfatório, brigando por pontos (a exceção foi apenas na temporada de 2021, que antecedeu a grande mudança do regulamento técnico).
Além disso, com o teto orçamentário em vigor e cada vez mais estável, o que não aconteceu em 2010, existe a perspectiva de que novos times tenham menos dificuldade em competir.
De qualquer forma, independente da vontade da FIA e de seu presidente, a seleção de novas equipes não pode ser feita de forma unilateral pela entidade. Pelo acordo comercial em vigor hoje, a F1 precisa concordar com a escolha. Além disso, as equipes do grid também devem ser consultadas e autorizarem a entrada das duas novas concorrentes.
Por isso mesmo, existe um longo caminho, não apenas técnico, mas político, para o convencimento por parte dos aplicantes para um possivelmente crescimento do grid para 11 ou 12 equipes.
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